São Paulo, domingo, 08 de outubro de 2006

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Partilha do conhecimento

KOÏCHIRO MATSUURA


Partilha do conhecimento é não só acesso universal mas também participação ativa de todos. É a chave para as democracias do futuro


A PARTILHA do conhecimento é uma utopia, a nova palavra de ordem da comunidade internacional? Não pensamos que seja.
Alguns poucos exemplos dizem mais que uma dúzia de análises. Em 1965, Cingapura era dominada por favelas, e sua economia era subdesenvolvida.
Desde então, as autoridades promoveram políticas deliberadas de investimento na educação, na melhora das qualificações e da produtividade e na atração de indústrias com alto nível de valor adicionado. Hoje, o PIB per capita de Cingapura já supera o de muitos países do hemisfério Norte.
Uma economia baseada na partilha e difusão do conhecimento representa uma oportunidade para os países emergentes e para o bem-estar de suas populações. Assim, apesar de sua pobreza, o Estado indiano de Kerala ostenta um nível de desenvolvimento humano que se aproxima daquele dos países do Norte: a expectativa de vida subiu para 73 anos, e o índice de escolaridade é superior a 90%. Kerala contribui significativamente para fazer da Índia o oitavo país do mundo em termos de publicações científicas.
Esses exemplos estão longe de constituir casos isolados. Em todas as partes do mundo, diferentes países estão em processo de inventar novos estilos de desenvolvimento baseados no conhecimento e na inteligência.
No futuro, o potencial de desenvolvimento de uma sociedade vai depender menos de sua riqueza natural que de sua capacidade de gerar, difundir e utilizar o conhecimento.
Isso significa que o século 21 vai assistir à ascensão das sociedades baseadas no conhecimento compartilhado? Como esse é um bem público que deveria estar ao alcance de todos, ninguém deveria se ver excluído numa sociedade do conhecimento.
Mas a partilha do conhecimento não pode ser reduzida à divisão do conhecimento ou à troca de um recurso escasso pelo qual competem nações, sociedades e indivíduos.
A criatividade e as possibilidades de troca ou partilha aumentam muito nas sociedades interligadas em redes.
Essas sociedades criam um ambiente especialmente favorável ao conhecimento, à inovação, à formação e à pesquisas. As novas formas de sociabilidade na internet são horizontais, e não hierárquicas, encorajando a cooperação, fato que é muito bem ilustrado pelos modelos do "colaboratório" de pesquisas ou dos softwares de computador de "fonte aberta".
O surgimento de sociedades em rede e da concomitante redução dos custos das transações incentiva a ascensão de novas formas de organização produtiva, fundamentadas na troca e na colaboração. Essas novas práticas oferecem a esperança de que sejamos capazes de chegar a um ponto de equilíbrio justo entre a proteção dos direitos de propriedade intelectual e a promoção do conhecimento pertencente ao domínio público.
Mas a partilha do conhecimento não pode ser restrita à criação de conhecimentos novos, à promoção do conhecimento do domínio público ou ao estreitamento da divisão cognitiva.
Ela implica não só o acesso universal ao conhecimento mas também a participação ativa de todos.
Assim, ela será a chave para as democracias do futuro, que devem ser baseadas em um novo tipo de espaço público, em que encontros democráticos genuínos e deliberações democráticas envolvendo a sociedade civil possibilitem que se tratem os problemas sociais em termos perspectivos.
Os "fóruns híbridos" e conferências de cidadãos prefiguram esse desenvolvimento, em alguns aspectos. Os obstáculos existentes no caminho da partilha do conhecimento são muitos. Como as soluções que propomos, estão no cerne do relatório mundial da Unesco, "Rumo às Sociedades do Conhecimento", dirigido por Jérôme Bindé e publicado meses atrás.
A "Conversa sobre o Século 21" que organizamos na Unesco ajudou a identificar os obstáculos: polarização, divisão digital e, ainda mais grave, fratura do conhecimento e desigualdade de gêneros -são os primeiros empecilhos à partilha do conhecimento.
Para superá-los, as sociedades terão de investir maciçamente na educação vitalícia para todos, pesquisas, infodesenvolvimento e crescimento das "sociedades de aprendizagem", e terão de cultivar um respeito maior pela diversidade das culturas cognitivas e dos conhecimento locais, tradicionais e indígenas.
A partilha de conhecimento não será para sempre uma perspectiva futura, pois ela não é o problema, e sim a solução. A partilha de conhecimento não divide o conhecimento, mas o leva a crescer e multiplicar-se.

KOÏCHIRO MATSUURA , 69, economista e diplomata japonês, é o diretor-geral da Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura).
Tradução de Clara Allain


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