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DEMÉTRIO MAGNOLI
O impeachment
que não houve
O senador tucano Arthur Virgílio classificou a cassação de José
Dirceu como "a cassação moral do governo Lula". E completou: "Não
adianta o presidente dizer que não
tem nada com a história". Lula, realmente, tem tudo a ver com a história.
É por isso que a oposição deve explicar à sociedade por que não apresentou um pedido de impeachment.
As CPIs acumularam evidências da
existência de uma quadrilha que,
agindo no núcleo do poder, dedicava-se à corrupção de parlamentares com
as finalidades de estabilizar uma
maioria no Congresso e soldar uma
coalizão política em torno do governo
Lula. A quadrilha associava operadores na direção do PT, com livre circulação na Casa Civil, publicitários sob
contrato com o governo, diretores de
bancos públicos e privados e, provavelmente, ministros com influência
sobre contas de publicidade e fundos
de pensão. No centro da rede operacional encontrava-se Delúbio Soares,
um "homem de Lula". A coordenação
geral, segundo entendimento do Congresso, subordinava-se a José Dirceu,
que declarou que jamais agiu sem "o
conhecimento e o consentimento" do
presidente.
A participação passiva de Lula no
sistema de corrupção está demonstrada pelos fatos de que ele dependia da
ação coordenada de altas figuras do
governo e de que o presidente foi informado por Roberto Jefferson da
corrupção de parlamentares e não tomou providências efetivas. Mas, além
disso, é fácil provar a participação ativa de Lula na proteção da quadrilha e
na obstrução das investigações.
O presidente tentou impedir a instalação da CPI dos Correios, patrocinou
a versão fantasiosa do caixa dois de
campanha adotada pelos operadores,
qualificou as investigações parlamentares como um "complô das elites",
não solicitou por atos de ofício um
processo do Banco Central contra o
banco que forjou empréstimos destinados a esquentar o dinheiro da corrupção. Hoje, enquanto o partido do
presidente financia a defesa judicial de
Delúbio Soares, o presidente paga,
com cargos no Ministério dos Transportes, o silêncio de deputados envolvidos no "mensalão" que renunciaram para escapar à cassação.
Tudo isso está descrito na legislação
como crime de responsabilidade. Mas
a oposição se recusou a formular a
acusação e solicitar o impeachment.
Ela não abdicou da sua responsabilidade por temor da exposição de seu
envolvimento em ilícitos de caixa
dois, embora isso pese entre alguns setores oposicionistas. A abdicação decorreu, antes de tudo, do medo de
confrontar um presidente que conserva apoio de organizações de massa
caudatárias do governo e da população menos informada, dependente
dos programas sociais.
Democracia não é apenas eleição. É
o produto de uma teia de instituições e
leis que limitam o poder dos governantes, escrutinam os atos do poder,
resguardam os direitos dos cidadãos e
protegem a expressão da minoria. Ao
trocar o seu dever republicano de solicitar o impeachment pela chicana das
acusações midiáticas na campanha
eleitoral, a oposição imagina produzir
o milagre da conversão da sua covardia em esperteza. Essa é uma forma
complacente de auto-ilusão. Na verdade, a oposição estabelece um precedente histórico, cancelando a vitória
democrática representada pelo impeachment de Collor. De agora em
diante, os presidentes adquirem o direito tácito de corromper.
Demétrio Magnoli escreve às quintas-feiras
nesta coluna.
@ - magnoli@ajato.com.br
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