São Paulo, terça-feira, 08 de dezembro de 2009 |
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TENDÊNCIAS/DEBATES América Latina: o peso pesado e seu contrapeso
PETER HAKIM
O BRASIL demonstrou de maneira cabal sua capacidade de se contrapor ao poderio dos EUA na América Latina em 2004, quando provocou a suspensão das negociações regionais para a criação da Alca, defendida pelos EUA. Um ano mais tarde, na cúpula de líderes do hemisfério Ocidental em Mar del Plata, o Brasil, contando com o apoio de apenas quatro países, conseguiu bloquear um esforço dos EUA e mais 28 países para reiniciar as negociações. Ainda mais notável foi que, logo após a cúpula (que alguns viram como humilhante para os EUA), o então presidente Bush compareceu a um churrasco com Lula no Brasil. O Brasil não apenas mostrou seu perfil e influência crescentes como também ilustrou sua capacidade incomum de lançar uma ponte sobre as divisões ideológicas da região. Dentro do hemisfério Ocidental, politicamente dividido, o Brasil talvez seja o único país que não tem adversários. O Brasil é um polo alternativo de poder no hemisfério Ocidental. Na América do Sul, tomou o lugar dos EUA como presença dominante em relação a muitas questões. É verdade que a atenção dos EUA está fixada sobre outras partes do mundo, mas a questão crucial é que, hoje, os EUA frequentemente se curvam ao Brasil em assuntos interamericanos. No ano passado, por exemplo, a diplomacia norte-americana não reagiu às tensões perigosas e crescentes entre Colômbia e Venezuela. De modo geral, Washington deixou a tarefa a cargo do Brasil e da recém-formada Unasul. De modo semelhante, neste ano, quando Venezuela e Colômbia novamente entraram em atrito, foi o Brasil quem se ofereceu para mediar. Mesmo assim, ainda restam limitações grandes à capacidade do Brasil de moldar e influenciar os fatos na América Latina. Para começar, o Brasil avançou pouco em direção a sua ambição de longa data de integração econômica regional. Após duas décadas, o pacto comercial do Mercosul, que o Brasil chegou a anunciar como sua âncora econômica, está uma bagunça. Seus quatro membros não desenvolveram regras comuns ou políticas convergentes -nem mesmo arranjos institucionais modestamente eficazes. Tampouco negociaram um único acordo comercial com outro país. A Unasul, esquema de integração em estilo europeu, com dois anos de existência, ainda é mais uma aspiração que uma meta prática. É difícil imaginar como poderá dar certo, dadas as enormes diferenças de política econômica entre seus membros -diferenças reforçadas por tensões políticas e divisões ideológicas. Em segundo lugar, o Brasil continua a hesitar em se envolver em disputas entre outros países -vem mantendo distância da disputa áspera entre Argentina e Uruguai e se abstém de intervir nas disputas de longa data do Chile com o Peru e a Bolívia. Também tem se mostrado mais que avesso a interferir nas decisões internas dos vizinhos, ainda que tenham consequências para a economia ou a segurança brasileiras. O país evita criticar as muitas transgressões antidemocráticas cometidas por Hugo Chávez, as violações dos direitos humanos e as ingerências em outros países. É possível que o Brasil seja realista, simplesmente. Ele compreende que sua intervenção não seria necessariamente bem recebida e que poderia ter custos políticos e econômicos altos. E é esta a terceira limitação à liderança do Brasil: sua capacidade (ou disposição) modesta de assumir os ônus financeiros e políticos de um envolvimento mais assertivo. Nem o governo de Lula nem o de Fernando Henrique Cardoso fizeram muito para ajudar a Colômbia em sua guerra contra guerrilheiros e traficantes de drogas. Nesse quesito, fica claro que a posição dominante é a dos EUA: ao longo de uma década, ajudou as Forças Armadas colombianas com mais de US$ 6 bilhões. Ademais, os EUA têm regularmente usado seus recursos para dar assistência a países que enfrentam problemas econômicos (incluindo o Brasil), e pactos de livre comércio com os EUA ou preferências comerciais são altamente valorizados pela maioria dos países latino-americanos. Em quarto lugar, a influência do Brasil se limita principalmente à América do Sul. Os EUA continuam a ser o ponto de referência para a América Central, o Caribe e o México. É verdade que a liderança brasileira de forças de manutenção da paz da ONU vem contribuindo enormemente para a estabilidade do Haiti. E o Brasil pode vir a exercer papel importante na eventual transição em Cuba. Mas a crise em Honduras demonstrou as limitações do Brasil. Enquanto Washington teve papel central, a diplomacia brasileira ficou em grande medida em posição secundária. É muito possível que, no futuro próximo, os EUA cedam mais e mais diante da liderança brasileira na América Latina -e é quase certo que a influência do Brasil cresça em toda a região. Mas, em vez de continuarem como concorrentes ou contrapesos um ao outro, tanto Brasil quanto EUA têm mais a ganhar se encontrarem maneiras de cooperar. PETER HAKIM, mestre em relações internacionais, é presidente do Diálogo Interamericano, em Washington. Tradução de Clara Allain
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