São Paulo, quarta-feira, 08 de dezembro de 2010

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Europa endividada

Países da região não afastam risco de insolvência; União Europeia estuda renegociar dívidas, para prejuízo de seus bancos e de sua economia

O pacote de ajuda de 67 bilhões (cerca de R$ 150 bilhões) para a Irlanda, fechado há duas semanas, foi montado às pressas pela União Europeia para evitar o que parecia ser um iminente colapso dos bancos do país. Mas, ao contrário do que esperavam as autoridades, o mercado não se deu por satisfeito. Portugal e Espanha passaram a pagar taxas de juros ainda mais altas por suas dívidas.
O que se percebe é que o problema dos países europeus é hoje bem maior do que simplesmente a necessidade de pagar parcelas que vencem de suas dívidas. Fica cada vez mais claro que há riscos de insolvência -ou seja, de que o próprio montante devido se mostre impagável-, que antes não pareciam tão nítidos.
Quanto a isso, é útil considerar a situação dos dois países já resgatados pela rede de segurança da UE. Na Grécia, houve clara irresponsabilidade com o dinheiro público, com gastos do governo sistematicamente maiores do que sua capacidade de arrecadação.
O caso irlandês é diferente. Nos anos que precederam a crise, o governo tinha uma situação fiscal invejável, com forte crescimento econômico, superavit fiscais e endividamento público muito abaixo da média do continente.
Parte da prosperidade do país era ilusória, pois estava calcada em receitas de impostos que só existiam em decorrência de uma bolha financeira. Para piorar, no auge da crise global, em 2008, o governo garantiu que arcaria com todas as dívidas dos bancos irlandeses. Este foi um erro colossal.
Revelou-se depois que as instituições financeiras da Irlanda não eram apenas "grandes demais para quebrar", como se diz no jargão, mas, pior, eram "grandes demais para salvar".
A origem dos problemas difere em cada caso, mas os resultados são igualmente perversos: o problema atual não é apenas a falta de liquidez temporária. Uma expectativa realista quanto ao crescimento dessas economias no futuro próximo sugere que não será possível sair da armadilha da dívida sem sua reestruturação. Se for o caso, prazos de pagamentos prolongados ou mesmo descontos no total devido terão que ser negociados, como já se estuda fazer.
Ocorre que a Europa realizou, na última década, impressionante integração financeira. Os credores dessas dívidas, que podem vir a ter sérios prejuízos, são em grande medida os próprios bancos europeus, com trilhões de euros em créditos cruzados entre si, o que cria novas dificuldades.
Enquanto isso, os governos tentam ganhar tempo. Montam-se pacotes de salvamento e o Banco Central Europeu se dispõe a comprar papéis da periferia. Na prática, isso significa uma lenta socialização das dívidas, como tão bem ilustrado no caso irlandês.
O paralelo com os calotes da América Latina é inevitável. Depois da farra de endividamento dos anos 70, os governos garantiram uma grande parte da dívida externa privada para depois renegociá-la com os credores. O Brasil, por exemplo, só concluiu esse processo em 1994. Um roteiro similar ameaça a periferia europeia.


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