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Parece super simples, mas não é
DANILO SANTOS DE MIRANDA
O Supersimples entrará em vigor em seis meses. É prazo suficiente para os autores repararem os danos que causa o atual texto da lei
A APROVAÇÃO quase unânime
do Supersimples é sintomática
do nível insuportável a que
chegaram a nossa kafkiana burocracia tributária e a barafunda cruzada
dos impostos municipais, estaduais e
federais, cujos efeitos mais danosos
vinham recaindo justamente sobre as
micro e pequenas empresas, as mais
vulneráveis.
A simplificação, a desburocratização e a unificação dos impostos, a par
de uma redução da tributação -que
seriam a tradução econômica da modernidade-, não poderiam ter chegado em melhor hora. Para todos, ou, ao
menos, para quase todos.
Sim, pois, na verdade, o Supersimples não é tão simples quanto parece,
nem o sentido de modernidade que
lhe é atribuído é tão exemplar assim.
Ninguém diz, mas há muitos perdedores com a nova lei, sobre os quais
pouco se tem falado e que não se
transformaram em perdedores porque eram adversários; pelo contrário,
alguns foram aliados de primeira hora de tudo o quanto neste país se pensou e se aspirou acerca de desenvolvimento e modernidade.
Referimo-nos ao Sesc (Serviço Social do Comércio) e ao Senac (Serviço
Nacional de Aprendizagem Comercial), duramente atingidos ao se isentar as micro e pequenas empresas da
contribuição que faziam para sua manutenção. Embora outros dos chamados "S" também sofram prejuízos, o
impacto é maior para as entidades do
comércio e serviços, setor em que
predominam as empresas de pequeno porte.
Não vamos entrar na análise da
burla constitucional dessa isenção
-os recursos das entidades são garantidos pelo artigo 240 da Constituição, portanto invioláveis-, num magistral gesto de cortesia feito com o
chapéu alheio pelo Executivo, com o
aval do Legislativo, além de contundente manifestação de desapreço para com os "S", os quais certamente
não têm para eles nenhuma relevância, mesmo que lhes dediquem homenagens protocolares de aniversário.
É o que explicaria também o fato de
nem mesmo levarem em consideração a vitória clara dessas entidades na
Justiça em demanda contra outra
descabida isenção feita pela receita
federal no antigo Simples, que nem
sequer a previa.
Mais que vencer no campo legal,
contudo, importa a essas entidades
vencer no plano dos valores, pois seus
compromissos com a sociedade brasileira vão muito além da letra da lei.
A modernidade é um desses valores
-por ironia, a mesma modernidade
que parece ter inspirado o Supersimples, de tão nefasto efeito sobre elas.
Não precisamos nos estender aqui
sobre o relevante papel desempenhado pelo Sesc no desenvolvimento da
cultura e da educação em nosso país
-que não passa despercebido pelo cidadão medianamente informado e,
menos ainda, pelos milhares de pessoas que diariamente se beneficiam
de suas realizações.
Cabe assinalar apenas que é a crença no papel transformador da cultura
-papel provocativo e emulador, eu
diria- que confere a essa instituição
lugar de destaque entre aquelas que
apontam para a modernidade. Modernidade que transparece em todos
os seus programas, os quais têm merecido, de renomadas organizações
internacionais, o reconhecimento
que aqui tem sido cada vez mais raro.
O mesmo se pode dizer do Senac,
formando e qualificando trabalhadores para o setor terciário, inclusive
para as micro e pequenas empresas.
Quem perde mais com o Supersimples, entretanto, são os próprios trabalhadores dessas empresas, nas
quais, aliás, se encontram os menores
salários. Eles passam a constituir
uma nova categoria de excluídos:
aqueles que perderam seu direito ao
Sesc e Senac porque suas empresas
foram "beneficiadas" pelo Supersimples com a isenção.
As empresas, em contrapartida, abdicam de sua responsabilidade social,
vital para a redução das desigualdades sociais e para o desenvolvimento
do país. Era contribuindo com 1,5%
(calculados sobre a folha de pagamento) para o Sesc e 1% para o Senac
que elas assumiam sua parcela de responsabilidade para com a sociedade
brasileira, inspiradas pelo ideário das
lideranças empresariais que fundaram os "S", ideário que infelizmente
parece esfumar-se nas mãos de algumas lideranças de hoje.
De qualquer modo, Inês dorme,
mas ainda não é morta. O Supersimples só entrará em vigor dentro de
seis meses. É prazo suficiente para
que seus autores reflitam e possam,
talvez movidos agora por um genuíno
espírito de modernidade, encontrar
uma forma de reparar os danos provocados pelo atual texto da lei.
Não se faz a omelete sem quebrar
os ovos, é verdade; mas que omelete
há de ser essa, quando se joga a gema
fora?
DANILO SANTOS DE MIRANDA, 63, sociólogo, especialista em ação cultural, é diretor do Departamento Regional do Sesc (Serviço Social do Comércio) no Estado de São
Paulo. É conselheiro do MAM (Museu de Arte Moderna de
São Paulo), da Fundação Itaú Cultural e do Masp (Museu
de Arte de São Paulo) e vice-presidente continental da Federação Internacional de Esportes para Todos.
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