São Paulo, sexta-feira, 09 de janeiro de 2009

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Cortes e mordidas


Mesa Diretora da Câmara dos Deputados oferece contraexemplo "instrutivo" de como se comportar diante da crise

CORTAR gastos, nestes tempos de crise, é sempre uma decisão difícil, exigindo longas e tensas reuniões. Por vezes, entretanto, o mais sensato seria não fazer reunião nenhuma.
Veja-se o que aconteceu quando a Mesa Diretora da Câmara dos Deputados se dedicou ao tema, anteontem. O plano, supostamente, seria acabar com uma prática que, neste ano, representou custo de R$ 3 milhões: o ressarcimento integral das despesas de saúde feitas pelos deputados.
Ao fim da reunião, ficou combinado que o contribuinte brasileiro passará a arcar com um aumento de, no mínimo, R$ 40 milhões nas despesas da Câmara. O valor é irrisório diante do volume de gastos da União, mas a despreocupação com as despesas, da parte dos deputados federais, é sempre um exemplo ruim que se transmite para o setor público e para toda a sociedade.
Arquivou-se, pelo menos até a próxima eleição da Mesa Diretora, a ideia de terminar com o pagamento das despesas de saúde dos parlamentares. Ao mesmo tempo, foi aprovada uma gratificação para 3.500 funcionários que ocupam cargos de chefia ou exercem algum tipo de função especializada na instituição.
A essa populosa elite serão destinados os R$ 40 milhões anuais com que, seguindo quem sabe os apelos do presidente Lula, a Câmara dos Deputados pretende responder à crise por meio de estímulos ao consumo, à produção e à geração de empregos.
Também no ramo da construção civil, da indústria moveleira e da decoração de interiores a Câmara trata de fazer a sua parte. Decidiu-se, em outra reunião, contratar uma empresa para reformar 120 dos 432 apartamentos funcionais dos deputados. O custo será de R$ 44 milhões.
Argumenta-se que havia décadas não se faziam reformas significativas nesses apartamentos. Nada mais razoável. Mas não é isso o que explica a compra de mesas de jantar de madeira maciça, ao custo de quase R$ 2 mil cada, e a instalação de banheiras de hidromassagem nas unidades.
É verdade que podem ser tensas e difíceis, como dito acima, as reuniões de parlamentares. Equipamentos de hidromassagem não só seriam bem-vindos, nesse caso, como quem sabe poupariam o tipo de gasto que a deputada Raquel Teixeira (PSDB-GO) quis transferir para as costas do contribuinte: R$ 18,5 mil, valor relativo à sua internação num spa.
Não era o caso para tanto, decidiu o departamento médico da casa, num gesto não se sabe se de austeridade ou de galanteria. Consentiu-se, entretanto, em liberar o deputado João Paulo Cunha (PT-SP) de tirar do próprio bolso os custos (R$ 25 mil) de seu tratamento de ortodontia.
"Desconforto maxilo-mandibular", "dificuldade mastigatória" e "mordida profunda" seriam os problemas de que se livrou o deputado. O tratamento era sem dúvida necessário.
Não é preciso ser ortodontista, aliás, para perceber que pelo menos uma das aflições do parlamentar acomete toda a Câmara, assumindo características epidêmicas: trata-se da "mordida profunda", pelo menos quando recursos públicos são postos sobre a mesa das negociações.


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