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JOSÉ SARNEY
Sem olhos em Gaza
A MINHA GERAÇÃO leu um
escritor inglês, quase cego,
que passou grande parte de
sua vida nos Estados Unidos, onde
realizou uma grande obra. Chamava-se Aldous Huxley. Hoje ninguém mais edita os grandes romancistas dos anos 30, que ficaram
restritos às universidades e cursos
de letras. Huxley escreveu um livro
com o título "Sem Olhos em Gaza",
que nada tem a ver com Gaza. É um
volume de mais de 600 páginas
que, como tudo o que ele escrevia,
tinha muito menos de trama novelesca e mais de dissertações humanistas. Não é o seu melhor livro,
que todos reconhecem ser "Admirável Mundo Novo", obrigatório
nas nossas leituras.
Gaza é matéria constante nos
jornais há muitos anos. O livro de
Huxley, tenho uma vaga lembrança, recebe como título um verso antigo sobre Sansão, cego, peregrinando por aqueles desertos. Mas o
romance de Huxley nada tem a ver
com isso. É um libelo contra a falta
de visão da humanidade sobre suas
grandes perplexidades.
Se foi inspiração no passado, Gaza é hoje um sangue derramado em
nossas calçadas. É um problema
insolúvel, que envolve ressentimentos milenares, fanatismo religioso e determinismo geográfico.
Aquele território é um enclave cercado por todos os lados por Israel,
tendo uma única saída pelo Egito,
vigiada e sujeita a inspeções internacionais para não ser um corredor de entrada de armas. Por outro
lado, para viver, Gaza precisa da
energia, da água e das estradas que
vêm de Israel.
O brutal conflito que ali se verifica já não sensibiliza ninguém. Com
as tecnologias visuais, o mundo habituou-se a ver a mais terrível das
catástrofes como um fato corriqueiro, cotidiano, que não mexe
mais com os sentimentos. Ficamos
brutos ou voltamos a ficar.
Quando vemos as cenas de crianças mortas, duvidamos se é foto
para propaganda ou teatro para
tentar justificar as posições de
cada um.
Israel tem o direito de zelar por
suas fronteiras ameaçadas pelo
Hamas. Mas sua reação não pode
ser desproporcional de modo a
comprometer sua imagem. Nos últimos tempos, quem mais desejou
e fez esforços para a paz naquela
região foi Clinton. Infelizmente,
essa chance escapou como um pássaro de fogo quando Arafat, receando que a solução proposta pudesse custar sua cabeça, não teve
forças para impô-la aos seus comandados. Os fantasmas de Sadat
e Rabin pendiam sobre a cabeça
dos negociadores.
O Egito encontrou sua paz, Israel
resolveu grande parte de seus problemas como Estado, mas seus
mártires, vítimas do radicalismo,
talvez tenham sido sacrificados em
vão. Hoje, a ONU está sem olhos
em Gaza, no faz-de-conta.
jose-sarney@uol.com.br
JOSÉ SARNEY escreve às sextas-feiras nesta coluna.
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