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Classificação indicativa na democracia
ANA OLMOS, GUILHERME CANELA e RICARDO MORETZSOHN
Democracias com índices de desenvolvimento humano e de liberdade de imprensa bem melhores que os nossos têm classificação indicativa
ALEMANHA, Austrália, Espanha, Chile, EUA, Holanda, Portugal, Reino Unido, Suécia. Todas essas democracias possuem índices de desenvolvimento humano e de
liberdade de imprensa bem melhores
que os nossos. Adicionalmente, contam com sistemas de classificação indicativa mais sedimentados do que
aquele hoje em vigor no Brasil. Sistemas estes que regulam os conteúdos
veiculados pela televisão aberta ao
definir as faixas etárias que deveriam
-ou não- ter acesso a determinados
programas e, paralelamente, os horários nos quais esses programas podem ser apresentados.
Em suma, a proteção dos direitos
de crianças e adolescentes no contexto da programação das emissoras de
TV aberta é uma das preocupações
centrais dos modelos de classificação
adotados por essas democracias.
Para a autoridade reguladora britânica, por exemplo, "conteúdos que
podem seriamente impactar o desenvolvimento físico, mental ou moral de
pessoas com menos de 18 anos não
devem ser veiculados".
Nesses países, é central ressaltar, o
processo classificatório não gera polêmica. Primeiro, porque é amplamente aceito o fato de que regular os
radiodifusores detentores de uma
concessão pública -e, portanto, uma
espécie de inquilino do espectro eletromagnético, propriedade de cidadãos e cidadãs contribuintes- é um
dever e um direito do Estado. Segundo, porque se entende que a regulação
democrática dos meios -incluindo a
classificação indicativa- não tem absolutamente nada a ver com a prática
de censura, ao contrário do que, não
raro, propalam alguns indivíduos
pouco conhecedores da temática.
Quando uma autoridade regulatória legítima sinaliza quais conteúdos
audiovisuais são especialmente válidos para determinados segmentos
populacionais -ou inadequados para
outros-, ela deve ter dois objetivos
primordiais: oferecer à sociedade a
possibilidade de escolha consciente
das programações de TV às quais terá
acesso e proteger os direitos de todos
os cidadãos e cidadãs, em especial os
das chamadas minorias políticas (recorte social no qual crianças e adolescentes têm posição de destaque, pois
são, ao menos legalmente, prioridade
absoluta para o Estado e a sociedade).
O que está em questão, portanto,
quando a relação entre o público infanto-juvenil e a regulação democrática dos meios de comunicação entra
em foco é o reconhecimento, por nossa legislação, da "condição peculiar da
criança e do adolescente como pessoas em desenvolvimento".
Nesse sentido, classificar as produções de TV a partir de uma escala de
horários e indicar publicamente qual
o teor de seus conteúdos é também
um importante instrumento de fortalecimento dos laços familiares.
Pais e mães ficam cada vez mais fora do lar, trabalhando. Crianças e adolescentes vêem cada vez mais televisão -é a segunda atividade a que dedicam mais tempo, logo após a escola.
E a TV, vale lembrar, não pode ser entendida como um simples eletrodoméstico. Ela tem produzido fortes
impactos sobre a produção das subjetividades e identidades culturais, sobretudo em meninos e meninas.
É por isso que podemos afirmar
que a classificação indicativa também
se configura como um instrumento
pedagógico. Ao evidenciar as particularidades de cada programa que começa a ser veiculado, a classificação
contribui para que os telespectadores
façam uma opção: assistir ou não
àquele determinado conteúdo. A tomada de decisão, necessariamente,
implica algum grau de reflexão, o que
pode ser um convite para uma relação mais independente e proveitosa
com a "caixa mágica", cabendo às famílias a palavra final. A liberdade, o
maior de todos os direitos, enfim, estaria garantida.
Redemocratizar o país é um processo, e não um truque. Assim, as vozes preocupadas com uma possível
volta da censura devem ser ouvidas.
Entretanto, o debate precisa ser
travado a partir do que efetivamente
está sendo proposto pelo novo instrumento de classificação indicativa
do Ministério da Justiça -que resulta
de uma construção transparente, envolvendo as diversas partes interessadas, além de encontrar-se em plena
consonância com os parâmetros utilizados nas sociedades mais avançadas do planeta.
Ou seja, não se trata de uma volta
aos tempos obscurantistas, mas sim
de um avanço fundamentado na democracia e no conseqüente respeito
aos direitos humanos. Todos e todas
devemos assumir nossas responsabilidades nesse processo -Estado, empresas, sociedade civil organizada, famílias. É isso que está em jogo.
ANA OLMOS, psicanalista de crianças, é especialista em
neuropsicologia infantil.
GUILHERME CANELA, mestre em ciência política, é coordenador de Relações Acadêmicas da Andi (Agência de Notícias dos Direitos da Infância).
RICARDO F. MORETZSOHN, psicólogo, é ex-representante do Conselho Federal de Psicologia no Conselho de Comunicação Social do Congresso Nacional.
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