São Paulo, quinta-feira, 09 de março de 2006

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Uma visão compartilhada

LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA e TONY BLAIR

O mundo globalizado exige, mais do que nunca, cooperação internacional. Precisamos de um entendimento e de uma visão compartilhados dos problemas. Há três semanas, na Cúpula de Governança Progressista organizada por Thabo Mbeki, tivemos uma excelente conversa sobre vários temas globais. Nosso encontro deixou claro, uma vez mais, que a governança progressista não se limita a uma reflexão sobre a política interna de nossos países. Ela também implica uma abordagem comum dos desafios internacionais.
Temos de garantir que os benefícios da globalização sejam sentidos pelos pobres e pelos ricos -mas, sobretudo, pelos pobres. Esse é um desafio econômico e político que temos de enfrentar conjuntamente.
Nossos dois países estão comprometidos em lograr um resultado ambicioso nas conversações comerciais da OMC (Organização Mundial do Comércio) para ajudar a tirar milhões de pessoas da pobreza. Países em desenvolvimento, sobretudo na África, precisam de uma oportunidade para encontrar suas próprias saídas da pobreza. Eles não querem depender da ajuda internacional para sempre.
Estamos determinados a não permitir que as conversações falhem e decididos a trabalhar em conjunto para superar o atual impasse. Um fracasso não seria apenas uma oportunidade perdida na luta contra a pobreza e em prol da prosperidade global. Seria, também, um duro golpe em nosso compromisso com o multilateralismo e com um mundo mais aberto e fundamentado em regras.
Para fazer com que as coisas avancem, estamos considerando a convocação de uma reunião de líderes nos próximos meses.


A forte amizade entre nossos países não vem só do futebol. Ela deve muito aos valores e visões que compartilhamos

Concordamos, também, que é de vital importância que o mundo se una para enfrentar o desafio da mudança do clima. Nossos dois países reafirmaram o compromisso com a Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima e com o Protocolo de Kyoto.
Estamos determinados a fazer tudo o que estiver ao nosso alcance para garantir que o novo espírito de cooperação e entendimento alcançado na reunião de Gleneagles (Escócia) seja a base para um acordo mais amplo e de longo prazo. Essa é uma das áreas da ciência e da tecnologia em que desejamos encorajar uma transferência de conhecimento mais rápida e uma cooperação entre nossos dois países.
Nossas duas nações são, evidentemente, diferentes em matéria de geografia, de clima e de desenvolvimento econômico. O desafio é permitir que as economias emergentes atinjam uma crescente prosperidade de forma sustentável. Isso significa partilhar experiências e tecnologias limpas, garantindo o investimento para que estas últimas sejam desenvolvidas e dominadas em todo o mundo.
Essa não será uma estrada de mão única. Ainda que o Brasil não tenha que cumprir com metas de redução de emissão de gases que causam o efeito estufa, o país já é um líder mundial no uso do etanol como combustível. Fontes alternativas de energia como essa -e, agora, também o biodiesel- podem ajudar a reduzir a mudança climática e a combater a pobreza. Já estamos trabalhando conjuntamente nessa área.
Acreditamos que o mundo deve fazer mais contra a pobreza e as doenças e assegurar que educação e saúde adequadas sejam garantidas a todos. Nosso apoio ao Mecanismo Financeiro Internacional para Imunização e à contribuição solidária sobre passagens aéreas demonstra nossa determinação em encontrar enfoques inovadores na mobilização dos setores público e privado para enfrentar os desafios atuais.
Também estamos trabalhando lado a lado para aperfeiçoar a governança global e para fazer com que as instituições multilaterais sejam mais representativas e eficientes. Isso só pode ser feito a partir do reconhecimento da crescente importância de potências emergentes como o Brasil.
É por essa razão que o Reino Unido apóia de forma decidida o pleito brasileiro de ser membro permanente de um Conselho de Segurança das Nações Unidas reformado. Mas também trabalhamos de maneira muito coordenada na reforma mais ampla das Nações Unidas, para que a organização esteja apta a enfrentar os desafios que temos pela frente. Estamos igualmente comprometidos a contribuir para a expansão da paz e da segurança no mundo.
Nossos dois países estão ligados por muitos laços. O Reino Unido foi um dos primeiros a reconhecer a independência do Brasil. Empresas britânicas desempenharam um papel significativo, por meio de investimentos e conhecimento técnico, na construção da infra-estrutura que constitui a base do Brasil moderno.
Não podemos esquecer que foram engenheiros britânicos que trouxeram para o Brasil, pela primeira vez, o futebol. Essa paixão une nossos povos até hoje. Resta esperarmos que leve os dois à final da próxima Copa do Mundo. A forte amizade entre nossos países não vem só do futebol. Ela também deve muito aos valores e visões que compartilhamos a respeito dos grandes desafios globais. Estamos convencidos de que nossa amizade continuará a crescer no futuro.

Luiz Inácio Lula da Silva é o presidente da República Federativa do Brasil.
Tony Charles Lynton Blair é o primeiro-ministro do Reino Unido.


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