São Paulo, domingo, 09 de março de 2008

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CARLOS HEITOR CONY

O embrião da bicicleta

RIO DE JANEIRO - Na crônica anterior, não manifestei opinião pessoal sobre as pesquisas com células-tronco. Limitei-me a estranhar que, ao descobrirem que o Estado é laico, a maioria dos analistas condena a Igreja Católica, proibindo-a de ter opinião sobre o assunto. Desde 1891 que a igreja é separada do Estado, mas a separação não a impede de manifestar o que pensa e aconselha aos seus adeptos.
Outras religiões, seitas, associações científicas ou de classe fazem o mesmo, e nenhuma delas tem jurisdição sobre o Estado, embora exerçam influência sobre a opinião pública, a qual não pode ser confundida com o Estado.
Costumo dizer que não entendo nada de nada, e embora a ciência ainda não tenha determinado quando começa a vida, discordo da teoria que considera a fecundação como o início de tudo. Se alguém amontoar aleatoriamente dois pedais, duas rodas, um selim, uma corrente, dois pára-lamas, um guidão e uma campainha, não terá feito uma bicicleta. Precisará montar esses elementos dentro de uma ordem, cada coisa em seu lugar, para obter o que deseja.
Na formação de uma nova vida, logo após o espermatozóide fecundar o óvulo, estarão presentes todos os elementos para a criação de um feto. Mas o processo de montar um novo ser humano não é imediato. Há uma corrente que acredita na formação embrionária do cérebro como o início de uma vida paralela e depois independente do organismo da mãe.
Se assim for, as pesquisas com embriões não podem ser consideradas uma forma de homicídio. Não haverá vida no embrião logo após a fecundação, seja no útero, seja in vitro. A última palavra não será dada pela lei civil nem pela religião, mas pela ciência. Enquanto isso, é lícito que cada um pense o que quiser -inclusive o cronista.


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