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MARCOS NOBRE
A cota do DEM
O SENADOR DEMÓSTENES
Torres (DEM-GO) resolveu
entrar de sola na disputa sobre políticas de reconhecimento
nas universidades públicas. Falando contra as chamadas "cotas", disse barbaridades várias. Falou, por
exemplo, do escravo como "principal item de exportação da economia africana" até o início do século
20. Discorreu sobre uma pretensa
"integração da casa-grande com a
senzala, ainda que com dominação", tendo sido a dita "integração", segundo ele, "muito mais
consensual do que gostaria o movimento negro".
Entre outros, Elio Gaspari e Luiz
Felipe Alencastro, na Folha de domingo último, já mostraram a infâmia de tais afirmações. A questão
que fica é: por que o senador decidiu colocar o brucutu na praça neste momento? E a pergunta cabe
porque, por incrível que pareça,
Demóstenes Torres é o mais próximo de um ideólogo de que dispõe o
seu partido.
A resposta mais plausível para
essa defesa abrupta e ríspida de teses infames é: porque o DEM está
encurralado. A prisão de José Roberto Arruda foi o golpe de misericórdia que diminuiu ainda mais o
já exíguo espaço da mais autêntica
direita brasileira.
Demóstenes Torres foi o primeiro a pedir a cabeça do ex-governador do DF e de seu vice. Percebeu o
desastre que significava a demora
de medidas como a expulsão sumária do partido dos principais envolvidos no escândalo.
Teve clareza de que ali se esvaia
o último recurso de que tinha lançado mão o DEM para tentar se
manter como um partido relevante, o discurso da "eficiência com
ética". Algo que fazia o partido recuar às suas origens, ao conservadorismo da velha União Democrática Nacional lá dos anos 1950.
Nem isso mais restou. O ataque
de Demóstenes Torres às políticas
de reconhecimento é um ato de desespero. É o sintoma mais claro de
que o DEM será obrigado a recuar
ainda mais. Terá de ir ao mais profundo do conservadorismo social,
moralista e nacionalista para tentar manter algo do seu eleitorado.
Terá de tentar a sua sorte nos limites da família, da tradição e da
propriedade. No fundo, é a vitória
do modelo Kátia Abreu (DEM-TO), senadora que defende de há
muito um ruralismo canhestro e reacionário.
Na entrevista a Maria Inês Nassif, do jornal "Valor Econômico",
Demóstenes Torres afirmou ainda:
"O problema estrutural do Brasil
não é o racismo, mas a pobreza". É
tocante ver os conservadores descobrirem a pobreza estrutural brasileira, mesmo que tardiamente.
Principalmente porque é essa
mesma pobreza que, com título de
eleitor na mão, vai lhes tirar os
mandatos em 3 de outubro.
nobre.a2@uol.com.br
MARCOS NOBRE escreve às terças-feiras
nesta coluna.
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