São Paulo, quarta-feira, 09 de março de 2011

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RUY CASTRO

Momo vs. Congo

RIO DE JANEIRO - Andei pensando e concluí que o Carnaval é a secular luta entre o rei Momo e o rei Congo. Eles seriam uma representação: Momo, do Carnaval branco, europeu e brincalhão; Congo, do Carnaval negro, africano e mágico. Os dois como faces da mesma moeda.
Não é uma luta ao pé da letra, claro, nem os contendores têm consciência dela -porque só existem simbolicamente. O próprio Momo que vemos nos salões, recebendo do prefeito a chave da cidade, é um símbolo. O mais perto que esteve de ser real foi nos anos 50 e 60, quando o titular era o carioca Nelson Nobre, com rouge nas faces, papadas abundantes, manto de veludo, coroa de lata e quase 200 kg.
Já o rei Congo é uma abstração total, não se o visualiza. Mas sentimos sua presença -está nos morros e nos subúrbios, no fundo dos quintais e nessas escolas de samba que nada derruba, nem um incêndio, nem a chuva, nem os resmungos dos saudosistas.
Momo era o zé-pereira, o entrudo, o corso, as batalhas de confete, as fantasias de papel crepom à beira-mar, as marchinhas, o rádio, a revista de modinhas, os bailes, as prises de lança, os beijos roubados. Congo era o batuque, a umbigada, os ranchos, a sensualidade, o terreiro, a navalha, o feijão, o samba, a porta-bandeira, a calça larga, o chapéu de aba curtinha, a peruca empoada.
Momo e Congo sempre reinaram em separado, cada qual em seu espaço. O tempo é que pareceu pertencer apenas a Momo. Mas, por volta de 1970, Congo o desbancou e reinou absoluto, com o domínio das escolas no Carnaval. Só agora, com a volta dos blocos, essa supremacia começa a ser disputada.
Sou fã de Momo, mas a dívida do Carnaval para com Congo é impagável. É ele, e não Momo, que está nos quadris dessas brasileiras de todas as cores que surgem na avenida, sacodem o Brasil com seu requebrado e só existem no Carnaval.


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