São Paulo, Terça-feira, 09 de Março de 1999
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Saco de maldades

ELIANE CANTANHÊDE

Brasília - No seu discurso de despedida do Banco Central, Gustavo Franco jogou maldades a torto e a direito. E acertou em cheio o presidente Fernando Henrique Cardoso.
Franco começou comendo pelas bordas. Jogou uma maldade sobre a Fiesp, outra sobre as esquerdas, desancou o deputado Paulo Paim (PT) e esculhambou Leonel Brizola (PDT). Todos, segundo ele, foram contra o cruzado, o real, o fim da inflação.
Depois de uma hora de discurso, com o mingau quase frio, chegou aonde todos indistintamente esperavam: mandou brasa e maldades sobre a desvalorização do real.
Franco disse que o papel do BC é defender a moeda e essa defesa não falhou, nem foi vítima de especuladores. Foi simplesmente abandonada por pressão de "vozes influentes" que não dão bola para o desequilíbrio fiscal e buscaram uma "saída fácil".
"A defesa da moeda foi desmontada sem sangue, no plano da persuasão", disse, frisando que a "decisão" e o "desejo" foram de FHC. O resultado foi "um erro": "Perdemos muito em credibilidade", "a vida ficou mais difícil", "tudo ficou mais urgente".
No final, ele lançou um grito de guerra dando rosto às "vozes influentes": "O desenvolvimentismo irresponsável tem que ser esconjurado de uma vez por todas". Essa foi bem na testa dos ministros José Serra (Saúde) e Paulo Renato Souza (Educação), seus principais adversários no governo.
Se foi duro contra tudo e contra todos, Franco tentou ser elegante com "meu amigo Pedro Malan". Mas nem o abraço final dos dois dissipou a voz embargada e o constrangimento. Afinal, quem, senão Malan, executou tudo o que ele diz estar errado?
Ao "finalizar, finalmente", Franco deixou explícita sua discordância com a guinada da política econômica: "O governo segue seu rumo, e eu, o meu".
Gustavinho, como se vê, sai do governo FHC como entrou: atrevido, arrogante, sem papas na língua. O que não significa que esteja certo. A desvalorização foi feita no pior momento. E se tivesse sido um ano atrás com reservas de US$ 70 bilhões?
Essa resposta ele não deu.


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