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Antônio Madureira
ARIANO SUASSUNA
O Quarteto Romançal, que se apresentou no Sesc, em São Paulo, na última sexta-feira, não é uma repetição do
Quinteto Armorial: representa, na verdade, um aprofundamento, uma ampliação, um rigor ainda maior em relação às propostas do grupo que o antecedeu.
O Quinteto Armorial foi organizado
(também sob a direção de Antônio
Madureira) com base na estrutura do
"terno" de Mestre Ovídio, composto
por dois pífanos e duas rabecas. Por
isso, posteriormente, além da flauta,
do violino e do violão, ganharam lugar, no Quinteto, a rabeca, a viola brasileira e o marimbau. Mas, em texto de
1977, eu já advertia: tudo aquilo tinha
apenas um caráter didático inicial. Era,
como eu afirmava, "um modo, digamos assim, de reeducar os nossos músicos", encaminhando-os a um som
brasileiro e novo, "a um despojamento, a uma pureza, a uma estrutura musical que os afastasse dos padrões convencionais europeus".
O Quarteto Romançal configura, assim, um passo importantíssimo naquela direção esboçada 20 anos atrás.
Cumprida a fase didática inicial, o novo grupo pôde partir agora para instrumentos tradicionais como o violino, o violão, a flauta e o violoncelo, os
quais, de modo acessível até a intérpretes não-brasileiros, são perfeitamente
aptos a executar a música que naquele
ano eu sonhava "cortante, despojada,
forte, embriagadora e reluzente como
as visagens e ilumiaras de pedra que,
ao chegar aqui, os portugueses encontraram, espalhadas por quase todo o
território do novo país, pintadas ou
insculpidas em pedra pelos antepassados dos nossos índios".
Sempre afirmei que o objetivo procurado pelos integrantes do Movimento
Armorial era a criação de uma arte
brasileira erudita baseada nas raízes
populares da nossa cultura. É esse o caminho que o Quarteto Romançal continua e aprofunda, no campo da música. Um caminho que se torna possível
na medida em que, como compositor,
o próprio Antônio Madureira reaparece agora com pleno domínio dos seus
meios de expressão.
No Brasil, como acontece em todos
os países que ainda têm um povo, os
caminhos que existem para que um artista exercite seu poder criador são de
uma riqueza e multiplicidade verdadeiramente impressionantes. O Quinteto da Paraíba, integrado por três brasileiros e dois chilenos, já mostrou,
num disco gravado na Inglaterra, que
um grupo tradicional de câmara pode
tocar perfeitamente a música armorial.
É por isso que o Quarteto Romançal
significa um outro passo adiante; com
a vantagem de ter à sua frente um
compositor como Antônio Madureira
e de contar com intérpretes do quilate
de Aglaia Costa, Sérgio Campelo e João
Carlos Araújo.
A onda de divulgação e de mau gosto
que atualmente ameaça o Brasil é tão
poderosa quanto no resto do mundo.
Se ela não conseguir sufocar e esmagar
a criação, ora marginalizada, dos verdadeiros artistas, o Quarteto Romançal
e a obra de Antônio Madureira entrarão para o concerto universal da música de todos os países -fraternalmente
una em sua rica variedade- com a nota mais marcadamente brasileira e pessoal que possuímos atualmente. Então,
um russo, um francês e um romeno
poderão ouvi-la com a mesma encantação, com a mesma alegria com que
nós, brasileiros, ouvimos Stravinsky,
Erik Satie ou Bela Bartok. Porque, na
minha opinião, a música de Antônio
Madureira tem, para o Brasil, a mesma
importância que a gravura de Gilvan
Samico, o romance de Guimarães Rosa
e a poesia de João Cabral de Melo Neto.
Ariano Suassuna escreve às terças-feiras nesta coluna.
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