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TENDÊNCIAS/DEBATES
Uma visão consistente do aquecimento global
PATRICK J. MICHAELS
Focar em tentativas fúteis de conter o aquecimento é desperdiçar um dinheiro
que poderia ser investido em tecnologias futuras
O AQUECIMENTO global é real, é
em parte causado por atividades humanas e deve permanecer modesto nos próximos decênios.
É certo que não temos capacidade
tecnológica para reduzi-lo significativamente agora, mas essa tecnologia
deve surgir se investirmos no futuro.
Essa foi a minha mensagem na conferência que fiz no dia 31/3, promovida pelo Centro de Liderança Política e
realizada no Ibmec (Instituto Brasileiro de Mercados de Capitais). Entretanto, a apreciação da minha apresentação feita pela Folha não deixou
essa impressão.
Ao contrário, começou por dizer
que os céticos em relação ao aquecimento global mudaram de opinião
devido a um virtual consenso existente. Ora, tenho dito que o aquecimento é real há mais de uma década.
Antes disso, havia boas razões para
questionar o que ocorria com o clima
da Terra. Portanto, qualquer afirmação que me relacione a pessoas que
"mudaram" de opinião é velha há pelo menos dez anos.
Com efeito, só há três relatórios sobre a temperatura da Terra. Um deles
é o dos termômetros de superfície,
publicado pela Universidade de East
Anglia (Inglaterra) e usado pelo IPCC
(Painel Intergovernamental sobre
Mudança Climática, na sigla em inglês). A reportagem, aliás, afirma corretamente que o painel dividiu o Nobel da Paz com Al Gore, mas convenientemente omitiu o fato de eu ser
membro atuante e presente do IPCC.
Aquele relatório mostrou um aquecimento que começou em 1977. Dois
outros relatórios, de satélites e balões
atmosféricos, não revelaram nenhum
aquecimento desde aquele ano.
Mas então, no final da década de
1990, ocorreram dois fatos notáveis.
Descobriu-se que havia um desvio na
órbita dos satélites e que seus sensores eletrônicos também estavam alterados. Quando esses fatores foram levados em conta, a tendência de aquecimento aumentou. Além disso, alguns balões atmosféricos de nações
pobres não foram considerados confiáveis o suficiente, e sua remoção
também ampliou a tendência de
aquecimento.
Por isso, a Folha equivocou-se. Os
cientistas céticos mudaram porque
os dados mudaram.
A Folha também se equivocou ao
dizer que iniciei a minha fala atacando o IPCC. Minha apresentação começou mostrando a realidade da mudança climática. Afirmei em seguida
que "centenas de cientistas" -e me
incluí entre eles- podem estar errados quanto à mudança do clima.
O tema que analisei foram projeções sobre o aumento das emissões
de dióxido de carbono (o que mais
contribui para o aquecimento) e o
metano (o segundo mais importante)
quando surgiram as primeiras previsões sobre o aquecimento global, em
meados a década de 1970.
Isso ocorreu quase 15 anos antes de
o IPCC existir. Todos -eu inclusive-
acreditávamos que os gases se acumulariam na atmosfera num ritmo
bem maior do que o afinal verificado.
Em relação ao futuro, mostrei que
o ajuste dos modelos de computação
aos resultados verificados do aquecimento leva a uma previsão para o aumento global de temperatura de
1,7ºC neste século. Isso está dentro
dos limites estimados pelo IPCC, cujo extremo inferior é de 1,4ºC.
É um aquecimento modesto, o que
é bom. Neste momento, mesmo se
tentássemos, não conseguiríamos alterar esse valor. Considere o seguinte: se todas as nações cumprirem o
Protocolo de Kyoto -um tratado da
ONU-, o aquecimento cairá cerca de
0,07ºC a cada meio século. É uma
quantidade muito pequena para ser
medida. Entretanto, seu custo é alto
-e é por isso que os países não cumprem o protocolo.
Gastar dinheiro em tentativas fúteis de conter o aquecimento é desperdiçar recursos que poderiam ser
investidos em tecnologias futuras e
avanços tecnológicos que poderiam
funcionar de fato. Essa foi a minha
mensagem. Supus que seria auspiciosa e encorajadora -certamente, não
uma mensagem que pudesse ser considerada "cética".
Por fim, a Folha disse que fiquei
muito irritado quando me perguntaram sobre o financiamento da indústria a minha pesquisa. Isso não corresponde aos fatos, com o que a maioria dos ouvintes concordará. Mas é
também verdade que fatos são fatos,
aquecimento global é aquecimento
global e nenhum financiamento da
indústria pode alterar isso.
PATRICK J. MICHAELS, 58, Ph.D. em climatologia ecológica pela Universidade de Wisconsin-Madison (EUA), é
pesquisador e professor de ciências ambientais da Universidade de Virgínia (EUA) e titular de estudos ambientais do Instituto Cato, em Washington DC.
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br
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