São Paulo, sexta-feira, 09 de abril de 2010

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Um novo código para um novo tempo

ROBERTO LUIZ D'AVILA


Pelo novo Código de Ética Médica, aquele que recebe atenção e cuidado confirma o direito de recusar ou escolher seu tratamento

A ENTRADA em vigor do novo Código de Ética Médica, em 13 de abril, representa a introdução da medicina brasileira no século 21. O texto do código -resultado de mais de dois anos de trabalho e da análise de 2.575 sugestões encaminhadas por profissionais, especialistas e instituições- não coloca em campos antagônicos o passado e o futuro, o bem e o mal.
As regras agora delineadas confirmam o reconhecimento de que o mundo e o homem mudaram. A ciência, a tecnologia e as relações sociais atingiram patamares nunca antes alcançados -necessitam, assim, de um balizador atento às transformações.
Evidentemente, os códigos -sejam quais forem- não eliminam a possibilidade da falha, do erro. Mas oferecem ao profissional e ao paciente a indicação da boa conduta, amparada nos princípios éticos da autonomia, da beneficência, da não maleficência, da justiça, da dignidade, da veracidade e da honestidade.
O novo Código de Ética Médica traz em seu bojo o compromisso voluntário, assumido individual e coletivamente, com o exercício da medicina, representado em sua gênese pelo juramento de Hipócrates.
Todas as profissões estão submetidas a controle da conduta moral de quem as exerce, com base em códigos ético-profissionais e em fiscalização.
São regras que explicitam direitos e deveres. Assim, num tempo em que o cidadão tem cada vez mais acesso à informação e consciência das possibilidades legais de questionar o que lhe é oferecido, o novo código exige da sociedade -sobretudo dos gestores, médicos, pesquisadores e professores- o compromisso com a qualificação do ensino médico.
Também não podemos ignorar que o conjunto de regras que passará a vigorar preenche uma lacuna aberta nos últimos 22 anos. A versão anterior data de 1988, ano de criação do Sistema Único de Saúde (SUS), época em que os planos de saúde não existiam como realidade para milhões de brasileiros e as inovações de diagnóstico e tratamento, em alguns casos, não passavam de futurologia.
Mais de duas décadas depois, o documento se enquadra num universo onde os sonhos de cientistas se tornaram realidade e o modelo assistencial brasileiro se confirma como uma das mais importantes políticas sociais do mundo, mesmo tendo fragilidades que exigem reflexão.
Previsões otimistas indicam que o Brasil caminha para, em breve, consolidar seu espaço entre as grandes potências mundiais. No entanto, inexiste uma discussão profunda sobre como esse novo contexto será tratado pela assistência em saúde.
Se, por um lado, garantimos a atualização das regras da ética médica, por outro, exigimos financiamento adequado ao SUS, uma política de recursos humanos para o setor atenta às necessidades das diferentes categorias e da população e, sobretudo, uma análise que considere a convivência harmoniosa entre público e privado na prestação dos serviços de saúde.
Com isso, o novo código se estabelece também como indutor de transformações no campo da política, sem, contudo, negar sua principal contribuição para a sociedade: o reforço à autonomia do paciente.
Aquele que recebe atenção e cuidado confirma o direito de recusar ou escolher seu tratamento. Isso corrige a falha histórica que deu ao médico um papel paternalista e autoritário nessa relação, fazendo-a progredir rumo à cooperação.
O código reafirma os direitos dos pacientes, a necessidade de informar e proteger a população assistida. Buscou-se um código justo, pois a medicina deve equilibrar-se entre estar a serviço do paciente, da saúde pública e do bem-estar da sociedade.
O imperativo é a harmonização entre os princípios das autonomias do médico e do paciente. Permeando o código, esse é o contrato tácito e implícito de todo ato médico.
Entre outros momentos, isso se materializará na tomada de decisões profissionais, no respeito às escolhas dos pacientes e em inovações que incluem a possibilidade de recusa de pacientes terminais a tratamentos considerados excessivos e inúteis.
Enfim, temos um novo código, mas não uma nova ética. Contamos agora com um instrumento atualizado, de olhar agudo para os dilemas da atualidade. Certamente os médicos estarão atentos para realizar os ajustes percebidos como fundamentais, garantindo, assim, que a medicina brasileira continue a avançar lado a lado com a justiça e a ética.


ROBERTO LUIZ D'AVILA , 56, cardiologista, médico do trabalho, mestre em neurociências e comportamento, é professor adjunto da Universidade Federal de Santa Catarina e presidente do Conselho Federal de Medicina (CFM).

Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br


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