São Paulo, segunda-feira, 09 de maio de 2005

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TENDÊNCIAS/DEBATES

O TNP e o tripé nuclear

CELSO AMORIM


Não se pode exigir que os Estados que abdicaram das armas prescindam dos usos pacíficos da energia nuclear
O ano de 2005 é crucial para o futuro do sistema de segurança coletiva. Celebramos 60 anos de criação das Nações Unidas. Nos próximos meses, chegaremos a um momento de definição sobre uma reforma da instituição, em particular de seu Conselho de Segurança. Completam-se seis décadas dos bombardeios nucleares a Hiroshima e Nagasaki, que revelaram à humanidade a possibilidade concreta de sua auto-aniquilação.
Essa ameaça existirá enquanto perdurarem os arsenais nucleares. Não obstante o fim da Guerra Fria, numerosas armas atômicas permanecem em estado de alerta operacional, podendo ser disparadas a qualquer momento, até mesmo por desinformação ou erro de cálculo. Esses riscos são inerentes às armas nucleares, independentemente de quem as possua ou queira possuir.
Há cinco anos, teve lugar a 6ª Conferência de Exame do Tratado de Não-Proliferação Nuclear, o TNP. Os resultados da conferência não poderiam ter sido mais auspiciosos. As cinco potências às quais o tratado reconhece o direito de possuir armas nucleares (China, EUA, França, Reino Unido e Rússia) assumiram um "compromisso inequívoco" com a eliminação dessas armas e aceitaram um ambicioso programa de medidas voltadas para o desarmamento, os chamados "13 passos". Reacendeu-se a esperança de que estaríamos no bom caminho para cumprir as expectativas, abertas pelo final da Guerra Fria, de acelerado desarmamento nuclear.
Um ano depois daquela conferência, os atentados terroristas nos Estados Unidos repercutiram nos esforços de não-proliferação e desarmamento. Aumentaram as preocupações com a possibilidade de que armas nucleares caiam em mãos de grupos terroristas. Cresceu o nível de exigência para o esclarecimento de programas nucleares para fins pacíficos. Verifica-se uma nova ênfase em mecanismos internacionais de não-proliferação, bem como a formulação de propostas sobre restrições ao direito de acesso e desenvolvimento de tecnologias de uso duplo (civil e militar). Ao mesmo tempo, há sinais preocupantes de desengajamento, por parte das potências nucleares, em relação aos compromissos assumidos na conferência de 2000. Surgem novas racionalizações e hipóteses de uso de armas nucleares, anuncia-se o desenvolvimento de novos e mais modernos tipos de armas nucleares e mantêm-se arsenais já desmobilizados, em lugar de se proceder à sua destruição.
A 7ª Conferência de Exame do TNP, que está sendo realizada em Nova York, tem diante de si o desafio de resgatar a credibilidade do tratado. É preciso que os 188 Estados-partes renovem seu compromisso com o tripé sobre o qual ele se assenta e que envolve três elementos interdependentes: as obrigações de não-proliferação e de desarmamento bem como o legítimo direito ao desenvolvimento e uso das tecnologias nucleares para fins pacíficos.
O Brasil entende que deve ser combatida a proliferação das armas nucleares, tanto em seu aspecto horizontal (para outros Estados ou atores não-estatais) como vertical (nos países que já as possuem). Os riscos de proliferação podem representar um desincentivo ao desarmamento, mas a falta de avanços significativos no desarmamento cria incentivos à proliferação. Como adverte Kofi Annan em seu recente relatório sobre a reforma da ONU, "progressos tanto no campo do desarmamento como da não-proliferação revelam-se essenciais: uns não podem se tornar reféns dos outros".
Tampouco se pode exigir que os Estados que abdicaram das armas nucleares prescindam dos usos pacíficos da energia nuclear. Trata-se de um mercado de grande potencial econômico. A entrada em vigor do Protocolo de Kioto despertou renovado interesse por outras fontes de energia, inclusive a nuclear. A indústria mundial de radiofármacos já movimenta bilhões de dólares e cresce a taxas elevadas.
A 7ª conferência do TNP é presidida por um brasileiro, o embaixador Sérgio Duarte, cuja indicação vemos como reconhecimento de sua alta qualificação pessoal e das credenciais do Brasil na área da não-proliferação e do desarmamento. Nosso compromisso com o uso pacífico do átomo tornou-se obrigação constitucional na Carta de 1988. Assinamos dois acordos com a Argentina e, junto com os argentinos e o Chile, retiramos as reservas que impediam a vigência plena do Tratado de Tlateloco, efetivando, dessa forma, uma zona livre de armas nucleares na América Latina e Caribe.
Embora essas garantias de não-proliferação já fossem suficientes, o Brasil decidiu, em 1998, aderir ao TNP, por entender que estaria contribuindo para a universalização e o fortalecimento dos esforços de não-proliferação e desarmamento. Não foi um gesto gratuito: ao aprovar a adesão do Brasil ao tratado, o Congresso Nacional vinculou nossa entrada no TNP "ao entendimento de que, nos termos do artigo VI, serão tomadas medidas efetivas visando à cessação, em data próxima, da corrida armamentista nuclear, com a completa eliminação de todas as armas atômicas".
Ao reafirmar seu repúdio às armas nucleares, o governo brasileiro e muitos outros insistirão, em Nova York, na defesa da integridade do tratado e da relação intrínseca entre seus objetivos. Diante dos múltiplos desafios e ameaças com que a comunidade internacional se defronta, a segurança coletiva depende, mais do que nunca, do fortalecimento dos instrumentos multilaterais e dos órgãos do sistema da ONU. Só assim poderemos aspirar a um mundo livre de todas as armas de destruição em massa -e em que o conhecimento e a tecnologia estejam apenas a serviço da paz e do desenvolvimento de todas as nações.
Celso Luiz Nunes Amorim, 62, diplomata, é o ministro das Relações Exteriores. Ocupou a mesma pasta no governo Itamar Franco.

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