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Prisão abusiva
A JUSTIÇA não se faz em espetáculos de execração,
como o transmitido ao vivo, em rede nacional, na noite de
quarta. A humilhação a que foram expostos o pai e a madrasta
da menina Isabella, brutalmente
assassinada aos 5 anos, funciona
como punição cruel e indelével,
impingida antes e a despeito do
pronunciamento da única fonte
legítima para atribuir culpa neste caso, o Tribunal do Júri.
O magistrado que decretou a
prisão preventiva do casal baseou sua decisão no objetivo de
preservar a ordem pública. Não
que o pai e a madrasta ameacem
outras pessoas nem que planejem fugir: o caso, escreveu o juiz,
"acabou prendendo o interesse
da opinião pública", a qual "espera uma resposta" do Judiciário.
Frustrar essa expectativa seria
abalar a ordem pública, pois solaparia a confiança na Justiça.
Trata-se de interpretação que
menospreza, em nome de um interesse coletivo bastante difuso,
o direito concreto do indivíduo a
proteção contra atos abusivos do
Estado e da coletividade. Além
disso, o juiz fez claro prejulgamento dos acusados, ao desqualificá-los como "pessoas desprovidas de sensibilidade moral".
Réus na ação penal, o pai e a
madrasta da garota assassinada
alegam inocência. Há indícios
periciais que contrariam a versão do casal, assim como existem
falhas no inquérito. Não há mal
nenhum em que aguardem o julgamento em liberdade.
Concorde-se ou não com a prisão preventiva, a imagem e a integridade física do casal precisariam ter sido protegidas pela polícia. As autoridades estavam
obrigadas a frustrar a expectativa da mídia, mas colaboraram
ativamente para o show de truculência que foram a prisão e a
transferência de duas pessoas
que não ofereciam risco.
Esse tipo de ação mercurial,
marqueteira, das autoridades
pode saciar desejos primitivos de
vingança, mas não vai diminuir o
descrédito na Justiça. Um processo rápido, bem assentado em
provas, em que a ampla defesa
não se confunda com protelação
prestaria um serviço efetivo. Casos de homicídio que permanecem inconclusos por oito, dez
anos após o crime abalam, estes
sim e de modo duradouro, a imagem do Poder Judiciário.
A pirotecnia e o massacre do
direito de defesa que se verificam no caso Isabella não contribuem em nada para melhorar esse quadro.
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