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TENDÊNCIAS/DEBATES
A judicialização do acesso à saúde contraria os princípios do SUS?
NÃO
As verdadeiras causas e consequências
ANDREA LAZZARINI SALAZAR e KARINA BOZOLA GROU
ESTÁ NA pauta do Supremo Tribunal Federal (STF) decidir se o
Poder Judiciário pode obrigar as
secretarias da Saúde ao fornecimento
de medicamentos necessários à preservação da saúde e da vida dos cidadãos que buscam a Justiça. Ficará decidido se a saúde prevalece sobre o orçamento estabelecido pelo poder público ou se o inverso.
No último mês de março, o Tribunal de Contas da União (TCU) divulgou relatório escancarando a ineficiência da Agência Nacional de Saúde
Suplementar (ANS) na garantia do
ressarcimento ao Sistema Único de
Saúde (SUS) -devido sempre que um
usuário de plano de saúde é atendido
pela rede pública.(Essa obrigação dos
planos exemplifica a liberdade dirigida ditada pela Constituição, pela Lei
Orgânica da Saúde, pelo Código de
Defesa do Consumidor e pela Lei dos
Planos de Saúde, indicando a submissão do privado ao público.)
Confirmando a incompetência da
ANS já apresentada em relatório de
2006, o TCU agora revela que, de
2003 a 2007, a agência deixou de cobrar R$ 2,6 bilhões de ressarcimento
por atendimentos de média e alta
complexidade feitos pelo SUS a usuários de planos de saúde.
Uma compreensão restritiva e
compartimentada da saúde não é capaz de relacionar um fato com o outro. Mas enfrentar o conjunto de
questões que transitam entre o público e o privado é a chave para a solução
de uma infinidade de problemas que
assolam a saúde no país.
No caso da judicialização de acesso
aos medicamentos, à medida que a
Justiça consagrou o direito constitucional dos cidadãos de receber os medicamentos de que necessitam, as secretarias da Saúde começaram a
questionar o fenômeno.
Entre as principais críticas, estão o
tratamento individualizado em prejuízo do coletivo, a desorganização
dos serviços, os maiores preços pagos
pelos medicamentos comprados para
atender demandas individuais e o
desrespeito a consensos terapêuticos.
Sob o manto de zelar pelo bom uso
do dinheiro público, essa retórica coloca sob os ombros dos cidadãos a culpa por terem que buscar na Justiça o
reconhecimento do seu direito essencial ao medicamento garantido pela
Constituição Federal.
Com todo respeito aos bem-intencionados em defesa do SUS, convém
uma reflexão sobre a inversão da ordem das coisas.
A população sofre com a escassez
de medicamentos, leitos hospitalares
e atenção básica não por causa dos recursos gastos para cumprir as determinações judiciais. O sofrimento desumano a que os cidadãos são submetidos é culpa dos governantes que não
investem ou empenham corretamente o orçamento destinado à saúde; é
devido à falta de racionalidade, organização, eficiência e vontade política.
Sem o Poder Judiciário atuante, os
governantes que já não obedecem a
Constituição Federal e as leis ficariam mais à vontade para pisotear na
saúde da população.
Portanto, as ações judiciais que reivindicam medicamentos não são contra o SUS, que é o sistema de saúde
dos cidadãos, e não dos gestores de
saúde. É interesse público que o direito à saúde e a dignidade humana de
cada um, que nos lembra que o homem não tem preço, sejam respeitados. A independência e o equilíbrio
entre os três Poderes são pilares da
Constituição e servem, entre outras
finalidades, para impedir que se cale a
voz dos juízes e dos cidadãos.
É urgente que as três esferas do Poder Executivo busquem a melhor destinação dos recursos públicos, com
eficiência e sem admitir desvios, além
de atuar com rigor para fazer retornar
aos cofres públicos os valores que a
ANS não se empenha em exigir dos
planos de saúde, para impedir os abusos dos laboratórios farmacêuticos, as
concessões indevidas de patentes, as
publicidades atentatórias à saúde da
população (de alimentos, medicamentos, bebidas alcoólicas), que tantos ônus trazem para o SUS.
Estaríamos apontando para o rumo
correto, em vez de condenar o cidadão a não receber o medicamento de
que precisa para se manter vivo.
ANDREA LAZZARINI SALAZAR, 36, advogada, é consultora jurídica do Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do
Consumidor) e co-autora do livro "A Defesa da Saúde em
Juízo".
KARINA BOZOLA GROU, 33, advogada, mestre em direito constitucional pela PUC-SP, é gerente jurídica do Idec e
co-autora do livro "A Defesa da Saúde em Juízo".
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