São Paulo, Domingo, 09 de Maio de 1999
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FHC EM CÍRCULOS

O primeiro mandato do presidente Fernando Henrique Cardoso girou em torno da defesa da estabilidade de preços. O governo jamais chegou a oferecer ao país algo como um modelo de desenvolvimento. A prioridade da âncora cambial acabava por servir de justificativa para tudo, até para a falta de políticas.
Agora, o risco é novamente a política econômica girar em torno apenas das questões relativas aos desequilíbrios financeiros mais urgentes, em detrimento das questões relativas à produção e ao emprego.
Faltava uma política industrial? A âncora cambial seria o estímulo à geração de uma nova competitividade.
Os grupos econômicos nacionais fragilizavam-se sob um regime de juros escorchantes? A mesma âncora cambial daria aos investidores externos a confiança para investir cada vez mais, provocando uma ampla reestruturação produtiva.
A infra-estrutura exibia sinais terminais de deterioração? A privatização garantiria a superação dos gargalos na energia, nas comunicações, nos transportes ou no saneamento.
Foi-se a âncora cambial, os investimentos diretos de grupos estrangeiros não criaram uma base para o crescimento sustentado e a privatização, por enquanto, tem gerado dificuldades por vezes tão importantes quanto algumas de suas virtudes.
Foram três apostas: no câmbio, na abertura e na privatização. Em graus variados, estão todas condenadas ou precisando de urgentes redefinições.
Sobre o câmbio já se falou muito, mas o problema está longe de ter sido resolvido. Por enquanto, aliás, o governo se limita a reforçar o caixa em dólares, sacando mais recursos no FMI e se endividando cada vez mais no exterior. Há um alívio no curto prazo. Mas faltam parâmetros para a reconstrução da confiança na política econômica no longo prazo.
A tese da reestruturação produtiva liderada pelo investimento estrangeiro é duvidosa. É o próprio governo que agora se inquieta. Tenta moderar importações e estimular exportações de empresas multinacionais.
Em alguns setores, como o de autopeças, houve uma ampla desnacionalização e concentração setorial. Os efeitos dessas mudanças sobre os fluxos de divisas e sobre a distribuição de renda podem não ser tão virtuosos como pretendeu o governo.
Finalmente, a privatização gerou um leque amplo de problemas que as agências de regulação mal começam a tratar. Em setores como energia elétrica e transportes, aliás, nem sequer a regulação está organizada.
Diante dessas dificuldades, a disposição do governo federal para formular novas estratégias de política econômica parece reduzida.
O projeto econômico de FHC ameaça voltar à estaca zero, a defesa da estabilidade de preços e câmbio. Tudo a golpes de juros elevadíssimos, que caem em câmera lenta, agravando a crise social e prolongando a asfixia financeira da empresa nacional.
Sem formular um novo modelo de desenvolvimento, o governo sobrevoa seus próprios erros, em círculos, incapaz de traçar novos rumos. Talvez esteja à espera de que tudo afinal se arranje, espontânea e naturalmente, novamente por obra e arte de um instável ciclo de otimismo nos mercados financeiros globais.


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