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BORIS FAUSTO
A fala incontida
As alianças políticas, sobretudo
as ditadas por razões de estrita
conveniência, podem ter um alto preço. Vejam o caso do industrial José
Alencar, que o hoje presidente Lula
atraiu para sua chapa, como vice-presidente.
As vantagens eleitorais do acordo
eram óbvias. Por meio dele, o PT dava
mais um passo para reduzir os temores provocados pelo ascenso de seu
maior líder junto a certos círculos de
elite, selando um acordo ao mesmo
tempo prático e simbólico. O nome do
então senador Alencar encarnava a
ressurrecta burguesia nacional,
atraindo também um ponderável
contingente de votos do eleitorado
mineiro.
Mas, eleito vice-presidente, o ex-senador passou a correr em faixa própria, culminando com as seguidas e
estridentes críticas à opção pelos juros
altos, assumida pelo governo Lula ainda em seus primeiros meses. A insistência nessa tecla vem acompanhada
da tentativa de desacreditar os responsáveis diretos pela política econômica -velha técnica que insinua o
propósito de evitar a confrontação
aberta com o presidente da República.
Não se trata de afirmar que a opção
governamental pela ortodoxia econômico-financeira, neste início de mandato, paire acima de críticas. Se o caminho seguido -que não se reduz à
taxa de juros- parece a muita gente o
mais correto, seria inadequado convertê-lo em dogma, recusando a discussão de outras alternativas, apontadas na acesa discussão sobre os rumos
do país. Quando mais, não fosse porque temperar o caldo de nossas convicções com alguma dose de dúvida
costuma ser um antídoto eficaz contra
a teimosia dos grandes erros.
Trata-se, na verdade, de criticar a incompreensão que o vice-presidente
José Alencar revela das responsabilidades e limites do cargo que ocupa,
assim como o viés assumido no conteúdo de suas falas. O primeiro aspecto já foi ressaltado por mais de um
analista na semana que passou, lembrando as responsabilidades do vice-presidente como integrante do governo e substituto presidencial. Aliás, estamos longe dos tempos da Constituição de 1946, em que era possível eleger
presidente de um partido e vice de outro; possibilidade que deu origem a
problemas como o da dupla inusitada
Jan-Jan (Jânio e Jango), alçada ao poder.
Quanto ao segundo aspecto, ao afirmar que a fixação da taxa de juros é
uma opção política, e não técnica, o vice-presidente encaminha o debate para um terreno escorregadio. Sempre
será possível sofismar, dizendo que a
política econômica faz necessariamente parte da política, coisa que ninguém ignora. Porém ao bom entendedor não escapa o fato de que a crítica
às decisões técnicas vem engrossar o
caldo daqueles que querem desfazer o
significativo trabalho de construção
institucional realizado nos últimos
anos. Nele se inclui a consolidação de
um Banco Central que goza, na prática, de autonomia operacional.
No caminho da construção institucional ocorreram falhas e inconsistências, mas seu legado de racionalidade
é irrecusável. Vamos apagar tudo isso
em nome de uma visão imediatista, da
chamada vontade política, rótulo conveniente para a reintrodução de práticas que imaginávamos superadas?
Boris Fausto escreve às segundas-feiras nesta
coluna.
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