São Paulo, quarta-feira, 09 de junho de 2004

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Desenvolvimento e meio ambiente

MARINA SILVA

Nas comemorações desta Semana do Meio Ambiente, é inevitável avaliar o período do governo do presidente Lula, não tanto por meio da clássica pergunta "o que fizemos?", mas por outra, mais complicada e de percepção mais difusa: o que estamos mudando?
Nossas diretrizes são: transversalidade, com a implantação de uma política ambiental integrada; abertura para o controle e a participação social nas políticas públicas; integração entre as instâncias de governo, fortalecendo o Sistema Nacional de Meio Ambiente (Sisnama); e a consolidação da agenda do desenvolvimento sustentável, reforçando o Ministério do Meio Ambiente como seu indutor.
Em 2003 completamos 30 anos de política ambiental no Brasil, se considerarmos a criação da Secretaria Especial de Meio Ambiente, em 1973. Naquela época, as medidas de governo se concentravam na agenda de comando e controle, em resposta às denúncias de poluição industrial e rural. Os anos 80 se iniciaram com a lei 6.938/81 estabelecendo a política nacional de meio ambiente, mas ficaram marcados pelo surgimento de movimentos sociais fortes, cuja mobilização ajudou a escrever um capítulo dedicado ao tema ambiental na Constituição de 88. A criação do Ibama (1989) respondia também a esse momento, em meio à enorme repercussão do assassinato de Chico Mendes.


O uso do ambiente não é obstáculo, mas oportunidade para um desenvolvimento duradouro, sustentável


Os anos 90 podem ser vistos como um período de institucionalização da questão ambiental, potencializado pela Rio 92, a conferência da ONU, e pela criação de novos instrumentos legais, como a Lei do Crime Ambiental e o Sistema Nacional de Unidades de Conservação.
Quando assumimos o governo, havia um desafio historicamente indicado para a política ambiental. A sociedade, desde os anos 80, clamava por espaços de participação nas questões ambientais. Respondemos com o fortalecimento dos conselhos existentes e a realização da Conferência Nacional de Meio Ambiente. Aos avanços legais deveriam corresponder ações do Poder Executivo. Assim, o governo criou mais 826 mil hectares de unidades de conservação; um novo modelo de assentamento, os assentamentos florestais; o plano de combate ao desmatamento na Amazônia, envolvendo 13 ministérios e ações voltadas à agenda do desenvolvimento regional sustentável; o plano de revitalização do Rio São Francisco; o novo modelo de gestão do setor elétrico, que incorpora as questões ambientais desde o planejamento dos investimentos; o Plano Amazônia Sustentável; etc.
Mas o maior desafio que se destaca no debate nacional é saber como a política ambiental colabora para a retomada do desenvolvimento. A resposta começou a ser desenhada na Agenda 21, que é um novo conceito de progresso, socialmente justo e ambientalmente sustentável. Afinal, a degradação ambiental e social são faces da mesma moeda.
Cabe ao nosso governo mostrar que o cuidado com o uso do ambiente e dos recursos naturais não é obstáculo, mas oportunidade para um desenvolvimento duradouro, sustentável. Em 40 anos, desde o desenvolvimentismo dos anos 60, passando pelo "milagre" e pela expansão da fronteira agrícola, não conseguimos superar a enorme desigualdade social nem assegurar qualidade de vida e uso inteligente dos recursos naturais, a não ser por projetos e ações localizados.
Um exemplo emblemático para o desafio do desenvolvimento sustentável será o asfaltamento da BR-163. Essa "BR sustentável" será fruto de um processo político que envolve governos, setor privado e organizações sociais em torno de uma proposta de desenvolvimento sustentável para toda a região afetada pela obra. Tal processo incluirá a criação de unidades de conservação, regularização fundiária, suprimento de serviços básicos à população e promoção de políticas de fomento ao uso adequado dos recursos naturais, entre outras medidas.
As obras de infra-estrutura não são, em si, causadoras de impactos ambientais e sociais expressivos. Mas induzem processos de desenvolvimento que podem aprofundar as desigualdades sociais e degradar o meio ambiente, comprometendo, inclusive, objetivos econômicos. Para enfrentar esse desafio será preciso mudar procedimentos. Não é por outra razão que a pressão de alguns segmentos ligados à infra-estrutura se concentra na área do licenciamento ambiental. É nesse ponto do processo que se promove a inflexão entre um modo de fazer do passado e aquele que incorpora critério e qualidade socioambientais.
Não estamos partindo do zero. Encontramos um ambiente propício -técnicos, ambientalistas, lideranças políticas e comunidades preparados e dispostos a interagir com uma proposta firme rumo à sustentabilidade. Contamos com um arcabouço legal importante, uma vanguarda do empresariado empenhada, além de experiências de articulação e negociação prontas para ganhar escala.
É por isso que o slogan desta Semana do Meio Ambiente não foi idéia de um especialista da área. Veio do amigo Ziraldo, que tem preocupações ambientais: "Meio ambiente e desenvolvimento: dá pra casar".

Marina Silva, 46, historiadora, senadora pelo PT-AC, é a ministra do Meio Ambiente.


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