São Paulo, quinta-feira, 09 de junho de 2005

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TENDÊNCIAS/DEBATES

O PT acabou?

EDUARDO JORGE

Em outubro de 2003, eu estava me desligando do PT após 23 anos de militância estilo revolucionário "quase" profissional. É importante lembrar que o partido estava no seu auge. Presidência recém-chegada, bancada poderosa no Congresso Nacional, prefeitura de São Paulo contando com mais quatro anos de governo...


O PT não resolveu uma série de dilemas e perdeu-se, incapaz de formular um programa conseqüente para o Brasil


Em certo fim de semana naquela época, encontrei-me no Ibirapuera com um amigo, companheiro de fundação do PT. Ex-padre, cristão e socialista idealista, queria saber as razões da minha saída silenciosa e discreta. Expliquei que quase 15 anos no Diretório Nacional me firmaram uma convicção: sob a liderança stalinista de José Dirceu, o PT não tinha mais espaço para a disputa democrática de idéias que tinha sido um dos fatores de seu crescimento.
Ele caminhava agora celeremente para se tornar um misto de PCB piorado com PTB também piorado. PTB não de Getúlio e Brizola, e sim de Ivete Vargas. O casamento do autoritarismo, fisiologismo e financiamento milionário de campanhas políticas e máquinas burocráticas mataria a alma do PT. Mas isso era uma realidade que eu tinha visto na cúpula. Os quadros intermediários, de base e eleitores não tinham ainda essa vivência, que só o tempo faria emergir com toda clareza.
O padre não ignorava de tudo o que eu falava. Era observador arguto do que acontecia na administração de São Paulo, laboratório-mor deste novo PT. Argumentava, porém, que não tínhamos opção. Um insucesso do governo Lula seria verdadeiro apocalipse para a esquerda. Uma derrota por dez ou 20 anos para as causas populares no país. Um retorno a perder de vista da direita ao governo. Quase o fim da democracia...
É essa visão que oprime como uma camisa-de-força os petistas, obrigando-os a seguir adiante num apoio fanático, mesmo quando as evidências dos erros do governo Lula se escancaram.
É a falta de um verdadeiro batismo de democracia que o socialista precisa para aceitar uma característica elementar neste tipo de regime: a alternância de partidos nos governos. Se um partido de direita, de centro ou de esquerda vai mal, o povo o substitui por outro. Isso é bom, necessário. O mundo não acaba se um partido de esquerda fracassa no governo e é substituído pelo voto por outro grupo político. É assim na Espanha, Itália, Japão, Nova Zelândia, Índia etc.
O PT colaborou para a implantação da democracia no Brasil por linhas retas e tortas. Essa é uma dívida que temos com ele. Eu tenho uma dívida particular. Entrei como um militante leninista ortodoxo e a experiência que o PT me proporcionou me transformou em alguém que procura ser democrata, verde e, insisto, socialista.
Mas o PT não resolveu uma série de dilemas -totalitarismo/democracia, produtivismo/ecologia, nacionalismo/ internacionalismo, corporativismo/universalismo das políticas- e perdeu-se, incapaz de formular um programa conseqüente para o Brasil e de firmar alianças políticas lógicas e necessárias.
Hoje, quando o país assiste estarrecido e decepcionado a essa seqüência de escândalos, com o partido apodrecendo à luz da TV, o que nos resta esperar? A meu ver, existem três possibilidades:
Primeiro, vamos torcer para Lula não ser atingido pela lama e para que ele finalmente tome uma atitude e lidere a exclusão de toda essa facção autoritário-fisiológica que controla a direção nacional e está em postos-chave do governo, inclusive no Planalto. Com isso ele criará condições para o entendimento programático, sem compra de votos, com outros partidos de ideologias aparentadas de esquerda e centro-esquerda. Assim, chegará até o final de seu período presidencial e deixará que o povo julgue quem deve compor o próximo governo. É importante recuperar o PT, uma organização necessária no quadro político nacional pela sua tradição de lutas populares no passado recente.
Segundo, se Lula e a maioria do PT se aferrarem em impedir as investigações e em manter as alianças fisiológicas, o futuro vira uma loteria. A radicalização tomaria contornos imprevisíveis e, como além da fumaça há muito fogo nesse lixo, há chances de uma batalha pelo impeachment. O PT que sobreviver a esse tormento seguirá como morto vivo, fantasma de um sonho que acabou.
Terceiro, o processo se arrasta indefinido até outubro. As tendências que apóiam Lula se desmoralizam e os grupos marxistas leninistas e trotskistas capturam um PT cambaleante na eleição do Diretório Nacional, em outubro de 2005. Também aqui o PT será outro. Será então inevitável o que aconteceu no Partido Comunista Italiano, que dividiu-se em dois, a Esquerda Democrática e a Refundação Comunista. Em tempo, os dois herdeiros expulsaram os corruptos que havia entre eles.
O momento é decisivo. São dias que valem anos. Seria uma pena assistirmos a um Anakin ainda jovem, embora pretensioso, se tornar um Darth Vader tropical decadente.

Eduardo Jorge Martins Alves Sobrinho, 55, médico sanitarista, é o secretário municipal do Verde e do Meio Ambiente de São Paulo (PV). Foi deputado federal pelo PT-SP (de 1987 a 2003) e secretário municipal da Saúde de São Paulo (nas gestões Luiza Erundina e Marta Suplicy).


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