São Paulo, terça-feira, 09 de junho de 2009

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Nem um a menos

MARIE-PIERRE POIRIER


Precisamos de políticas públicas que reconheçam as desigualdades, tratando de forma especial as parcelas vulneráveis da população

O PAÍS tem hoje 97,6% de suas crianças e adolescentes de sete a 14 anos na escola. Nos últimos anos, caíram as taxas de abandono e repetência. Entre 2006 e 2007, diminuiu o número de meninas e meninos de cinco a 17 anos que trabalham, um dos motivos mais fortes para o abandono escolar ou a aprendizagem deficiente. Indicadores como o Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica) apontam avanços no sucesso escolar dos alunos e alunas da rede pública.
Esses avanços devem ser reconhecidos e celebrados. No entanto, para que se incorporem definitivamente à realidade da educação básica no Brasil, é preciso garantir a ampliação, a sustentabilidade e o aprimoramento das políticas e dos programas que lhes dão apoio.
As iniquidades na garantia do direito à educação de qualidade para todas as crianças têm sua raiz nas desigualdades regionais, étnico-raciais e socioeconômicas, como também as relacionadas à inclusão de crianças com deficiência. Por isso, é preciso que o Brasil desenvolva políticas públicas que reconheçam as desigualdades, tratando de maneira especial as parcelas mais vulneráveis da população.
Essa realidade será apresentada hoje com a divulgação do relatório "Situação da Infância e da Adolescência Brasileira 2009 - O Direito de Aprender", produzido pelo Unicef.
A publicação traz uma análise inovadora ao mostrar os avanços significativos e as persistentes desigualdades na garantia do direito à educação para crianças e adolescentes. Dessa forma, apresenta um quadro amplo, abordando tanto os aspectos que ajudam a garantir esse direito quanto os que constituem barreiras para sua realização.
Um país que já alcançou 97,6% de atendimento de suas crianças e adolescentes de sete a 14 anos no ensino fundamental e alcançou uma taxa de atendimento em pré-escola de 70% das crianças de quatro e cinco anos pode almejar os 100% de atendimento escolar de sua população de quatro a 14 anos!
Entre os adolescentes de 15 a 17 anos, o desafio é maior: 82% frequentam a escola, mas apenas 48% cursam o ensino médio, o nível adequado para essa faixa etária.
Uma trajetória determinada em direção aos 100% de atendimento nessa faixa de quatro a 14 anos e a disposição para enfrentar os desafios no atendimento do ensino médio nos permitirão dizer que é possível, sim, universalizar, num período que não ultrapasse duas décadas, o direito de aprender para todas e cada um dos quase 60 milhões de crianças e adolescentes no Brasil.
Um passo fundamental é a aprovação pelo Congresso da proposta de emenda constitucional que amplia a escolaridade obrigatória para o período dos quatro aos 17 anos e aumenta os recursos para a educação no país.
Universalizar o direito de aprender vai muito além da garantia de oferta de vagas. O direito universal à educação de qualidade pressupõe assegurar que cada criança e cada adolescente aprendam os conteúdos adequados à sua idade, que permaneçam estudando com sucesso escolar e que concluam a educação básica na idade certa. A agenda da efetiva universalização do direito de aprender exige profunda articulação entre programas e projetos do governo e da sociedade.
Mais ainda: a garantia do direito de aprender para todas e cada uma das crianças não pode ser responsabilidade exclusiva da escola e dos órgãos gestores da área da educação. Essa garantia exige a construção efetiva de políticas intersetoriais, envolvendo as mais diversas áreas, como a saúde e a assistência social e seus serviços de proteção.
O Siab 2009 mostra que a articulação entre governo e sociedade e a intersetorialidade entre as políticas públicas são desafios inadiáveis. Apresenta ainda algumas iniciativas que podem ser inspiradoras de maior grau de articulação entre ações e de sinergia entre programas e políticas.
O Unicef, como agência das Nações Unidas, tem a responsabilidade de conhecer e enfrentar, com o governo e a sociedade de cada país, as múltiplas vulnerabilidades que afetam a vida das crianças.
Por isso, entende que as tecnologias sociais e as boas práticas que contribuíram para os avanços alcançados no Brasil podem ser referência para iniciativas de cooperação Sul-Sul, especialmente com países da América Latina, do Caribe e da África. E que essas ações de cooperação sejam fonte de aprendizado para a garantia dos direitos de todas e cada uma das nossas crianças.


MARIE-PIERRE POIRIER , 48, graduada em relações internacionais pela Sorbonne e mestre em economia pela Universidade de Paris 2, é representante do Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância) no Brasil.

Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br


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