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RUY CASTRO
Herança e comércio
RIO DE JANEIRO - Exigências consideradas descabidas levaram a
Bienal de São Paulo a retirar da
mostra deste ano uma homenagem
à falecida Lygia Clark. Tais exigências, envolvendo valores e conceitos, teriam sido feitas pela associação que controla os direitos da artista. Com isto, perde a Bienal, perdem seus frequentadores e perde a
própria Lygia, que vê sua obra longe do reconhecimento que merece.
Lygia Clark não é a única artista
plástica com a posteridade ameaçada pelo excesso de, digamos, zelo
de seus responsáveis. Há pouco,
houve o caso dos herdeiros de Volpi, que cobraram uma quantia desmedida pela reprodução de quadros do pintor no catálogo de uma
exposição sobre... ele próprio. A exposição aconteceu, mas o catálogo
saiu sem ilustrações. Esse tipo de
exigência está envolvendo também
os herdeiros de cantores, músicos e
escritores.
Não se trata aqui dos processos e
ameaças contra biografias de figuras públicas -um problema já grave e conhecido. Estamos falando do
direito de a obra desses artistas circular sem o achaque de herdeiros,
muitas vezes contra órgãos e instituições sem fins lucrativos. A justificativa é a do "uso da imagem"
-quando, na verdade, não passa
de simples achaque.
Tal "zelo", por mais cínico, poderia até justificar-se se esses familiares tivessem tido uma relação de
amor com o parente ilustre. Nem
sempre é o caso. Os filhos que hoje
controlam a obra de um escritor ex-maldito, por exemplo, costumavam referir-se a ele como "canalha", por não os ter reconhecido em
vida ou lhes dado atenção paterna.
E a herdeira de uma fabulosa cantora envergonhava-se, em criança, de
ser sobrinha daquela mulher tão
colorida e extravagante, que a fazia
diferente das colegas.
Mas até o ódio e a vergonha se
dissipam diante da fonte de renda
em que esses parentes ilustres de
repente se tornaram.
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