São Paulo, domingo, 09 de julho de 2006

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Sob encomenda

Lula entrega Correios ao PMDB, faz ajuste em seu modo de selar alianças, mas deixa intactas as causas da corrupção

A DEVOLUÇÃO dos Correios ao fisiologismo, pouco mais de um ano depois de a estatal ter ocupado o epicentro da crise que deflagrou o escândalo do mensalão, é o fecho de um ciclo na República brasileira. É o atestado de que os sucessivos desmandos na política federal em nada mudaram, em essência, o modo pelo qual o presidente Luiz Inácio Lula da Silva exerce o poder.
Algum guarda-livros dos saberes táticos de Brasília decerto discordará da afirmação acima. Argüirá que, desta feita, Lula aprendeu com os erros do passado e passou a praticar a distribuição de poder à moda da "porteira fechada". O termo, no anedotário da capital federal, designa a entrega de todos os principais cargos de livre provimento de uma estatal (vale também para uma autarquia ou um ministério) a um só partido político.
Ao recusar-se a selar um acordo formal com o PMDB no início de seu governo, ao praticar a distribuição pulverizada de cargos entre aliados e ao destinar ao PT parcela desproporcionalmente elevada de postos, Lula teria semeado a crise de governabilidade. A divulgação da cena de um diretor dos Correios embolsando R$ 3.000, há pouco mais de um ano, teria sido o estopim de um conflito anunciado -o elemento que expôs e acirrou a disputa entre os partidos da base, insatisfeitos com o "egoísmo" do PT, por diretorias e orçamentos e estimulou Roberto Jefferson a denunciar o mensalão.
A narrativa é verossímil. É provável que conflitos na teia de apoio ao presidente da República tenham figurado entre os aspectos principais que propiciaram o escândalo. O problema é quando se toma essa explicação -meramente instrumental- pela verdadeira origem dos desmandos e da primeira se faz um diagnóstico a nortear ações futuras.
Daí por diante, fica claro que o rearranjo tático da "porteira fechada" não se destina a corrigir os males que estão na origem do escândalo -a corrupção, a constituição de fundos ilegais para bancar a política, o desvirtuamento de autarquias e empresas estatais. Trata apenas de, em sintonia com o maquiavelismo, tentar evitar que uma nova crise venha a desestabilizar o governo.
Com porteira aberta ou fechada, o que importa para a modernização das instituições brasileiras é diminuir as oportunidades para que políticos desviem dinheiro público e desvirtuem instituições que existem para prestar bons serviços aos cidadãos.
Um governo compromissado com o avanço democrático nunca devolveria os Correios à barganha política. Trataria, pelo contrário, de aumentar controles públicos e administrativos a fim de favorecer o funcionamento das empresas estatais -e das demais instâncias burocráticas- de acordo com padrões técnicos, com ganhos contínuos de eficiência. Cortaria drasticamente os postos de livre provimento no setor público federal.
Mas a gestão Lula jamais se comprometeu, nem se sentiu compelida, a modernizar a máquina administrativa. Ilustra-o de modo cabal a entrega dos Correios, sob encomenda, ao PMDB.


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