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Sob encomenda
Lula entrega Correios ao PMDB, faz ajuste em seu modo de selar alianças, mas deixa intactas as causas da corrupção
A DEVOLUÇÃO dos Correios ao fisiologismo,
pouco mais de um ano
depois de a estatal ter
ocupado o epicentro da crise que
deflagrou o escândalo do mensalão, é o fecho de um ciclo na República brasileira. É o atestado
de que os sucessivos desmandos
na política federal em nada mudaram, em essência, o modo pelo
qual o presidente Luiz Inácio Lula da Silva exerce o poder.
Algum guarda-livros dos saberes táticos de Brasília decerto
discordará da afirmação acima.
Argüirá que, desta feita, Lula
aprendeu com os erros do passado e passou a praticar a distribuição de poder à moda da "porteira
fechada". O termo, no anedotário da capital federal, designa a
entrega de todos os principais
cargos de livre provimento de
uma estatal (vale também para
uma autarquia ou um ministério) a um só partido político.
Ao recusar-se a selar um acordo formal com o PMDB no início
de seu governo, ao praticar a distribuição pulverizada de cargos
entre aliados e ao destinar ao PT
parcela desproporcionalmente
elevada de postos, Lula teria semeado a crise de governabilidade. A divulgação da cena de um
diretor dos Correios embolsando R$ 3.000, há pouco mais de
um ano, teria sido o estopim de
um conflito anunciado -o elemento que expôs e acirrou a disputa entre os partidos da base,
insatisfeitos com o "egoísmo" do
PT, por diretorias e orçamentos
e estimulou Roberto Jefferson a
denunciar o mensalão.
A narrativa é verossímil. É provável que conflitos na teia de
apoio ao presidente da República
tenham figurado entre os aspectos principais que propiciaram o
escândalo. O problema é quando
se toma essa explicação -meramente instrumental- pela verdadeira origem dos desmandos e
da primeira se faz um diagnóstico a nortear ações futuras.
Daí por diante, fica claro que o
rearranjo tático da "porteira fechada" não se destina a corrigir
os males que estão na origem do
escândalo -a corrupção, a constituição de fundos ilegais para
bancar a política, o desvirtuamento de autarquias e empresas
estatais. Trata apenas de, em sintonia com o maquiavelismo, tentar evitar que uma nova crise venha a desestabilizar o governo.
Com porteira aberta ou fechada, o que importa para a modernização das instituições brasileiras é diminuir as oportunidades
para que políticos desviem dinheiro público e desvirtuem instituições que existem para prestar bons serviços aos cidadãos.
Um governo compromissado
com o avanço democrático nunca devolveria os Correios à barganha política. Trataria, pelo
contrário, de aumentar controles públicos e administrativos a
fim de favorecer o funcionamento das empresas estatais -e das
demais instâncias burocráticas-
de acordo com padrões técnicos,
com ganhos contínuos de eficiência. Cortaria drasticamente
os postos de livre provimento no
setor público federal.
Mas a gestão Lula jamais se
comprometeu, nem se sentiu
compelida, a modernizar a máquina administrativa. Ilustra-o
de modo cabal a entrega dos Correios, sob encomenda, ao PMDB.
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