São Paulo, quarta-feira, 09 de julho de 2008

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Editoriais

Ocultismo palaciano

Governo Lula parece crer que omitir projeções de desmate e inflação tem o poder de tornar esses dados mais positivos

ONZE MESES atrás, a ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, comandou uma grande festa na Esplanada para anunciar que o desmatamento na Amazônia caíra 30%. Era só uma projeção, baseada em informações do sistema Deter de monitoramento operado pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). O mesmo sistema que, agora, aponta retomada da destruição da floresta, mas cujas cifras permanecem trancadas nas gavetas da Casa Civil.
A justificativa para a ocultação é aguardar que as taxas de desmate sejam apresentadas ao presidente Lula. Não foi marcada data para tanto. O diretor do Inpe, Gilberto Câmara, nega pressão do governo para censurar informações, mas considera necessário "explicar direitinho as características do desmatamento e evitar conclusões precipitadas".
Não há novidade no caráter provisório e menos confiável das cifras do Deter, se comparadas com as de outro serviço do Inpe (Prodes, mais preciso, porém mais demorado). Isso nunca foi impedimento para o governo alardear notícias boas. Não deveria, portanto, servir para justificar a omissão da notícia ruim.
A mudança de atitude do Planalto tem nome: manipulação da informação. Os dados não precisam ser adulterados para deixar de cumprir seu papel de informar. Números sobre rumos do país e resultados das políticas públicas têm de ser publicados assim que obtidos, não quando for da conveniência do governante. A máxima de "faturar o que é bom e esconder o que é ruim" tem longa tradição -no Brasil e em outros países-, que precisa ser erradicada.
A taxa de desmate engavetada preocupa ainda mais por sugerir um padrão petista de gestão da informação. Repete acontecimentos recentes noutro centro de investigação federal, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).
Após trocar a coordenação de seu grupo de Conjuntura, a nova direção do órgão, sob comando do economista Marcio Pochmann, deixa de publicar trimestralmente em seu boletim "Carta de Conjuntura" previsões de variáveis macroeconômicas, como taxas de inflação. Ao estilo da sumida destruição amazônica, a justificativa oficial é em aparência benigna, "aperfeiçoar métodos e aprofundar análises para melhor elaborar projetos de desenvolvimento para o Brasil".
Mostra-se no mínimo inoportuno promover tal mudança no momento em que se aceleram as taxas de inflação. Sobretudo, se a real motivação para omitir projeções -que seguirão sendo feitas- for o temor de realimentar expectativas inflacionárias. Desmatamento e alta de preços são produtos da dinâmica da economia, não das mensurações para conhecê-los melhor. São informação de interesse e propriedade públicas, e não exclusividade de prestidigitadores palacianos.


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