São Paulo, sexta-feira, 09 de agosto de 2002

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Para além do discurso

CLAUDIO WEBER ABRAMO

O primeiro debate entre os principais candidatos à Presidência da República, realizado no último domingo, na Rede Bandeirantes, passou ao largo de um tema fundamental, a corrupção.
Além de contribuir para a baixa da auto-estima das pessoas, os desvios decorrentes da corrupção, embora impossíveis de serem avaliados com precisão, afetam diretamente a já pequena capacidade de investimento do Estado, ampliam a desconfiança internacional quanto à saúde da economia brasileira e afastam os investimentos. O fenômeno da corrupção reduz o montante de recursos para a consecução das políticas que os candidatos se propõem a colocar em prática, se eleitos, independentemente de quais sejam tais políticas.
Mas o assunto, que ocupa posição importante entre as preocupações do eleitorado, não foi mencionado.
É evidente que, caso questionados sobre serem contrários à corrupção, todos os candidato dirão que sim. Não é isso, porém, o que se deseja saber deles, mesmo porque dificilmente alguém se posicionaria a favor da corrupção. Aquilo que o eleitorado precisa saber são as medidas específicas que adotarão para combatê-la.
A corrupção é uma doença do aparelho de Estado, com raízes institucionais e administrativas. Não se combate a corrupção por mera exortação moral nem por auto-referência de candidatos às suas próprias qualidades e convicções íntimas, mas pela adoção de medidas concretas destinadas a corrigir debilidades observadas no arcabouço do Estado.
É contra tal pano de fundo que, no âmbito de sua campanha "Voto Limpo 2002", lançada na última terça-feira, a Transparência Brasil preparou um conjunto de medidas anticorrupção que está submetendo à subscrição dos quatro principais candidatos à Presidência.


É evidente que, caso questionados sobre serem contrários à corrupção, todos os candidato dirão que sim


São os seguintes os pontos que a Transparência Brasil considera essenciais para dar início a um combate concertado à corrupção:
1) Formação de uma agência anticorrupção, com participação do Legislativo, do Judiciário, do Ministério Público, do Tribunal de Contas da União e, com papel consultivo, de organizações da sociedade civil. Caberia a ela detalhar um Plano Nacional Anticorrupção no prazo de seis meses a partir da posse presidencial. Uma vez acordado esse plano, caberia à agência acompanhar e impulsionar a sua implementação;
2) Implementação das medidas administrativas e institucionais preconizadas pela Convenção Anticorrupção da Organização dos Estados Americanos e pela Convenção da OCDE, das quais o Brasil é signatário;
3) Organização e disseminação de programas de formação em técnicas modernas de investigação, incluindo a área de finanças, pois um dos problemas de combater o crime de colarinho branco é a falta de sofisticação dos métodos de investigação;
4) Na área de licitações públicas, impor a toda a administração federal o uso de editais padronizados; nas audiências públicas convocadas para discutir licitações, obrigatoriedade de a administração expor e colocar em debate os termos dos editais que emitirá; divulgação mensal pela internet de todos os preços unitários de bens e serviços licitados no mês anterior, agregando-os por órgão, ministério e União. Fazer acompanhar essas informações dos respectivos desvios-padrão, com identificação dos órgãos cujas aquisições se situem abaixo e acima desses limites;
5) Proibição da contratação de parentes e contraparentes para ocupar cargos de confiança;
6) Criação de um sistema de ouvidorias que abranja toda a administração;
7) Institucionalização da Comissão de Ética da Presidência e ampliação de suas atribuições para abranger toda a administração, num sistema de resolução de conflitos de interesse;
8) Manutenção e aperfeiçoamento da Controladoria Geral da União.
É claro que tais pontos de modo nenhum esgotam o rol de medidas necessárias ou possíveis para o combate à corrupção. Contudo elas -em especial a formação de uma agência anticorrupção com articulação em todos os poderes e na sociedade- significam um passo crucial para que esse combate seja orquestrado e levado a sério.
Os candidatos que assinarem o documento sinalizarão mais claramente que, para eles, combater a corrupção não é só discurso.


Claudio Weber Abramo, matemático pela USP e mestre em filosofia da ciência pela Unicamp, é secretário-geral da Transparência Brasil (www.transparencia.org.br) e membro do Conselho Diretor da Transparência Internacional.



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