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OUSAR PENSAR
O efeito mais perverso causado pela absoluta hegemonia
que o ideário neoliberal exerceu nos
últimos anos, em especial na América Latina, talvez não tenha sido econômico (refletido no medíocre crescimento da região) nem social (pobreza e desigualdade permanecem
em patamares insustentáveis).
Talvez o pior de tudo tenha sido
uma espécie de ditadura cultural, na
forma de imposição do que os franceses gostam de chamar de "pensamento único".
Qualquer um que ousasse propor
algo que não seguisse o receituário
neoliberal era logo desqualificado
como "jurássico", "ultrapassado" ou
com rótulos ainda mais agressivos.
Proibiu-se, por exemplo, pensar
em moratória na dívida externa.
Qualquer país que tentasse esse caminho seria excluído da comunidade
planetária e cairia em um inferno
econômico sem saída, dizia o "pensamento único".
É verdade que a moratória deve, de
fato, ser evitada até o último dos limites, porque seus efeitos costumam
ser realmente negativos. Mas, em circunstâncias extremas, pode não haver outro caminho. E o caso da Rússia demonstra que a moratória nem
sempre provoca o desastre que os
pregoeiros liberais antevêem.
A Rússia foi à moratória em 1998 e
nem por isso deixou de crescer fortemente em 1999 (5%) e explosivamente (8%) no ano passado.
Moratória deixou de ser palavra demonizada até mesmo pelo Tesouro
norte-americano, que a sugeriu para
o outro caso extremo, o da Argentina, que não conseguirá sair da crise
sem uma renegociação supostamente voluntária de sua dívida externa de
US$ 128 bilhões.
É sempre bom frisar que calote não
é instrumento a que se recorra alegremente ou por motivos ideológicos para vingar-se do "imperialismo
malvado" ou dos "capitalistas usurários". Mas, como recurso de última
instância, não pode ser desprezado
só porque ofende o ideário liberal.
Tome-se outro exemplo, a chamada "Tobin tax", um imposto sobre
transações financeiras que cruzam
fronteiras proposto pelo Prêmio Nobel de Economia norte-americano
James Tobin. A proposta sempre foi
tida como heterodoxa e inaceitável
por interferir na liberdade dos mercados. Agora, está na agenda da reunião dos ministros de Finanças da
União Européia, prevista para os dias
22 e 23 na Bélgica.
Mais: ganhou respaldo de um político da maior importância e insuspeito de inclinações "jurássicas", o
primeiro-ministro alemão, Gerhard
Schröder, que recentemente atacou
"a especulação financeira que leva
economias inteiras à ruína".
Registre-se que o presidente Fernando Henrique Cardoso disse mais
de uma vez coisas semelhantes sem
o menor eco internacional, talvez por
ser uma voz do mundo pobre, ainda
que afinada com o liberalismo.
Fique claro que não se trata de recomendar nem a moratória nem a introdução imediata da "Tobin tax".
Trata-se simplesmente de rejeitar a
ditadura do "pensamento único" e
de defender um bem supremo da humanidade, a liberdade de pensar, a liberdade de ousar.
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