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CLÓVIS ROSSI
O outro lado do comércio
CANCÚN - Já que meu chefe, Vinicius Torres Freire, reclamou ontem, neste
mesmo espaço, de que a gente fala
pouco sobre índices de miséria e muito de risco-país e outras obscenidades, sou obrigado a obedecer-lhe.
Vamos, pois, juntos, pensar um
pouco sobre o livre comércio e a vida
real das pessoas. Tornou-se comum,
nessa matéria, algum deslumbramento com o México pelo fato de ter
feito um acordo com os Estados Unidos (mais Canadá) para criarem o
Nafta (o acordo norte-americano de
livre comércio).
Há quem, deslumbradamente, se
emocione com o fato de que o México
exporta hoje algo em torno de US$
160 bilhões, quando o Brasil mal chega aos US$ 60 bilhões.
Ótimo, para quem gosta de balança
comercial. Vamos à vida cotidiana:
1 - O número de carros blindados
no México, por conta da violência
crescente, é igual ao do Brasil, país
que, no entanto, tem 70 milhões de
habitantes a mais. Isso é vida?
2 - Dos 2.443 municípios mexicanos, só 93 não registram migração
para os Estados Unidos, segundo dados ontem divulgados pelo Conselho
Nacional de População.
No total, uns 23 milhões de mexicanos (ou quase um quarto da população residente no país) vivem nos Estados Unidos.
Migrar é vida?
3 - Graças aos pesados subsídios
que os Estados Unidos concedem a
seus agricultores, há um baita dumping de produtos agrícolas norte-americanos no mercado mexicano.
O caso do milho, cuja importação
foi recém-liberalizada, é ilustrativo: a
exportação subsidiada fez o preço para os agricultores mexicanos cair
70%, com terríveis efeitos para os 15
milhões que vivem do cultivo.
Não, caro amigo liberal, não é tudo
culpa do livre comércio. Mas são dados suficientes para me permitir ser
acaciano: acordos comerciais têm,
sim, seu lado bom, como têm seu lado
ruim. Duro é ter de ser acaciano ante
o fundamentalismo dos que babam
na gravata ante as teorias que minimizam os aspectos negativos e alçam
ao céu os positivos.
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