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São Paulo, terça-feira, 09 de setembro de 2003

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CLÓVIS ROSSI

O outro lado do comércio

CANCÚN - Já que meu chefe, Vinicius Torres Freire, reclamou ontem, neste mesmo espaço, de que a gente fala pouco sobre índices de miséria e muito de risco-país e outras obscenidades, sou obrigado a obedecer-lhe.
Vamos, pois, juntos, pensar um pouco sobre o livre comércio e a vida real das pessoas. Tornou-se comum, nessa matéria, algum deslumbramento com o México pelo fato de ter feito um acordo com os Estados Unidos (mais Canadá) para criarem o Nafta (o acordo norte-americano de livre comércio).
Há quem, deslumbradamente, se emocione com o fato de que o México exporta hoje algo em torno de US$ 160 bilhões, quando o Brasil mal chega aos US$ 60 bilhões.
Ótimo, para quem gosta de balança comercial. Vamos à vida cotidiana:
1 - O número de carros blindados no México, por conta da violência crescente, é igual ao do Brasil, país que, no entanto, tem 70 milhões de habitantes a mais. Isso é vida?
2 - Dos 2.443 municípios mexicanos, só 93 não registram migração para os Estados Unidos, segundo dados ontem divulgados pelo Conselho Nacional de População.
No total, uns 23 milhões de mexicanos (ou quase um quarto da população residente no país) vivem nos Estados Unidos.
Migrar é vida?
3 - Graças aos pesados subsídios que os Estados Unidos concedem a seus agricultores, há um baita dumping de produtos agrícolas norte-americanos no mercado mexicano.
O caso do milho, cuja importação foi recém-liberalizada, é ilustrativo: a exportação subsidiada fez o preço para os agricultores mexicanos cair 70%, com terríveis efeitos para os 15 milhões que vivem do cultivo.
Não, caro amigo liberal, não é tudo culpa do livre comércio. Mas são dados suficientes para me permitir ser acaciano: acordos comerciais têm, sim, seu lado bom, como têm seu lado ruim. Duro é ter de ser acaciano ante o fundamentalismo dos que babam na gravata ante as teorias que minimizam os aspectos negativos e alçam ao céu os positivos.


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