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MARCOS NOBRE
Como se faz uma crise
NO QUE FOI divulgado até
agora no episódio do grampo, não há nada que permita concluir que haja uma tentativa
de controle ilegal de um Poder sobre o outro. Por que então Gilmar
Mendes atua para produzir uma
crise entre os Poderes? Por que diz
que todo o Poder Judiciário foi atacado, tentando com isso transformar uma ilegalidade em uma crise
institucional?
Deve haver muitas explicações
para isso. Em termos políticos, o
estímulo à crise serve para que Gilmar Mendes consiga pelo menos
provisoriamente unir sob sua autoridade um STF fraturado e estruturalmente dividido. Mas seu objetivo é ainda mais ambicioso: pretende submeter todo o Poder Judiciário a seu comando.
Indícios disso não faltam. Gilmar Mendes viu insubordinação
na decisão do juiz de primeira instância que ordenou por duas vezes
a prisão de Daniel Dantas. Em encontro com integrantes da CPI dos
Grampos, teria afirmado que grupos de juízes, procuradores e policiais federais atuariam como uma
espécie de "milícia". E, no fundo, o
controle das instâncias inferiores
de jurisdição é o principal assunto
do diálogo do grampo divulgado
pela revista "Veja".
Como sabe que é precária qualquer unidade no interior do STF,
Gilmar Mendes tem transferido
boa parte do seu projeto centralizador para a alçada do Conselho
Nacional de Justiça (CNJ), órgão
criado em 2004 para exercer o controle administrativo do Judiciário.
Pela Constituição, o CNJ é presidido pelo presidente do STF.
O exemplo mais recente desse
projeto centralizador é a proposta
de que o CNJ controle todas as autorizações de escuta telefônica do
país. É difícil dizer no que mais um
controle centralizado como esse
poderia ser vantajoso. Mas, com
certeza, é mais um passo na concentração de poder em mãos do
presidente do STF.
É inegável o avanço representado pela criação do CNJ. Mas a produção da atual crise mostra que
concentrar o poder jurisdicional e
o poder administrativo em uma
única pessoa traz para o controle
administrativo projetos e disputas
políticas que não lhe dizem respeito e que podem impedir o seu devido funcionamento.
Até o momento, as respostas à
crise dos grampos foram as propostas de criminalização agravada
para escutas ilegais e a criação de
uma agência de controle da atuação da Abin. A atual dupla presidência de Gilmar Mendes -do STF
e do CNJ- mostra a necessidade
de uma outra mudança na legislação: que a presidência do CNJ seja
exercida por um ministro do STF,
mas não necessariamente pelo seu
presidente. O Judiciário e a democracia agradecem.
nobre.a2@uol.com.br
MARCOS NOBRE escreve às terças-feiras nesta
coluna.
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