São Paulo, quarta-feira, 09 de outubro de 2002 |
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TENDÊNCIAS/DEBATES Um santo para o nosso tempo
EUGENIO CARLOS CALLIOLI
Exequível porque a existência inteira do novo santo esteve convictamente dedicada à normalidade. Josemaría Escrivá não quis nem pretendeu jamais fazer nada de espetacular; aliás, praticou e aconselhou a praticar o oposto, o que é corriqueiro. Ficou claro para muitos que a santidade não está numa espécie de Olimpo para os fora de série, que "a santidade não consiste em fazer coisas cada dia mais difíceis, mas cada dia com mais amor", que não é para tropa de elite e que, portanto, qualquer homem ou mulher, pelo simples fato de ser livre e batizado, está diante de portas abertas. Isso é revolucionário e, ao mesmo tempo, não o é. Não é nada revolucionário porque está no Evangelho, nas epístolas de São Paulo e na vida dos cristãos dos primeiros séculos -gente comum que procurava levar a sério, apesar dos seus defeitos, a exigência de Cristo de serem "sal da terra e luz do mundo". Mas, ao mesmo tempo, é revolucionário, porque a procura da santidade na vida de todos os dias abre campos imensos e inovadores para o aprofundamento na teologia das realidades terrenas, para a atuação livre e responsavelmente no meio do mundo, para a santificação da vida profissional, para que se assumam, diante de Deus e com a sua ajuda, os deveres familiares, para a participação com plena consciência dos acontecimentos públicos e dos grandes debates culturais e, enfim, para se secundar de forma mais abrangente a missão da igreja no mundo. O ideal de santificar o trabalho e os deveres diários, que Escrivá viveu e ensinou como núcleo da mensagem do Opus Dei, supera uma visão que, por razões históricas, vigorou por séculos: a visão de que aspirar à santidade significaria se colocar "fora", ou pelo menos à margem, das correntes do mundo e da história. São Josemaría Escrivá pratica e diz que a santidade está "dentro", que desejar a plena união com Deus e amar os homens significa permanecer no próprio lugar no mundo, e quanto mais "dentro" melhor, pela enorme razão de que Deus, ao se encarnar em Cristo, assume plenamente a natureza humana. Durante 30 anos, o verbo encarnado vive no seio de uma família e trabalha como marceneiro em Nazaré: mais "dentro", impossível. A universal assimilação da mensagem de Josemaría Escrivá por pessoas de índole e mentalidade variadíssima tem o valor de um grito pacífico, oposto com audácia a esse pensamento débil que abandona o campo de batalha e a um espalhado cinismo, mais ou menos embebido de perfume ideológico, que joga a toalha antes de começar a lutar porque "não adianta fazer nada". O homem entra em crise quando ignora, esquece ou esconde o fato de que sua vida é transcendente. E o caminho da transcendência, para a maioria, pode ser encontrado nas realidades diárias e terrenas. A canonização do fundador do Opus Dei é uma ocasião ímpar para considerar a vida dos santos, que mostram o caminho aos que batalhamos dia a dia contra a nossa mediocridade e mesquinhez. Mas, se, com palavras do novo santo, "cada geração de cristãos deve redimir o seu próprio tempo", a canonização deve ser também um forte apelo à consciência pessoal: "Estas crises mundiais são crises de santos". Eugenio Carlos Callioli, 46, doutor em direito canônico pela Pontifícia Universidade da Santa Cruz (Roma), é sacerdote da prelazia do Opus Dei. Texto Anterior: TENDÊNCIAS/DEBATES Ronaldo Sardenberg: Tecnologia, desafio enfrentado Próximo Texto: Painel do Leitor Índice |
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