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VINICIUS MOTA
Comédia financeira
PARA AQUELES que, como eu,
têm a tara escapista de rir da
própria desgraça, e da alheia,
uma das indicações contra esta crise pavorosa são os veteranos humoristas britânicos John Bird e
John Fortune. Algumas das impagáveis esquetes da dupla sobre o
cataclismo financeiro estão à disposição no YouTube.
É o caso da que explica o fenômeno subprime, as hipotecas de altíssimo risco que, a partir dos EUA,
deflagraram a derrocada. Fortune
entrevista Bird, que interpreta o
mais cínico dos banqueiros. A certa
altura, o financista revela o segredo
do negócio: os "bons nomes" dos
bancos que atuam nesse mercado.
Bons nomes? Boa reputação?
Nada disso, responde o banqueiro.
É que eles sabem dar bons nomes
aos produtos que vendem. Ninguém compraria um título derivado de uma hipoteca subprime se
ele se chamasse dívida impagável
do desempregado do Alabama. Já
na forma de um "Structured Investment Vehicle" (veículo estruturado de financiamento), fica palatável. E o que dizer de um "High
Grade Credit Strategies Enhanced
Leverage"? Irresistível -nem precisa traduzir para comprar.
Dado a fazer fosquinha, o presidente Lula também tentou tirar
uma lasca do presidente Bush por
conta da crise: "Que crise?". Depois
foi perdendo a graça e apelou até ao
amor de Deus para que o Brasil não
seja obrigado a comer, de novo, o
pão amassado pelo capiroto. Caiu a
ficha, como se diz. Está certo que
não caiu assim fácil, de chofre, pois
Lula foi culpar a especulação contra o real pelo prejuízo que alguns
exportadores tomaram. Presidente, as empresas estavam especulando a favor do real... A piada, no
final, voltou-se contra o piadista.
Descobre-se agora que algumas
companhias brasileiras, grandes e
médias, estavam com os dois pés
enfiados na jaca da farra dos derivativos. Exportadoras, não se contentaram em proteger sua receita
contra oscilações cambiais. Quiseram ganhar uma grana fácil, apostando em que o real iria ficar para
sempre valorizado. O dólar empinou-se, e o prejuízo fez boom. Agora essas empresas compram dólar
desesperadamente e jogam a cotação da moeda americana para as
alturas.
Voltando à explicação do banqueiro cínico, as empresas brasileiras que caíram na esparrela foram
vítimas dos bons nomes aplicados
pelos bancos. Por que vender algo
que não passa de uma roleta-russa
cambial quando se pode oferecer
um "Target forward"?
Tanta criatividade "não pode
produzir uma ruína financeira generalizada?", indaga o entrevistador. "Não, se o governo entregar a
nós, especuladores, o dinheiro que
perdemos", responde o banqueiro.
vinimota@folhasp.com.br
VINICIUS MOTA é editor de Opinião da Folha.
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