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São Paulo, domingo, 09 de novembro de 2003

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MAUS COSTUMES

Bandidos lançam uma campanha de ataques sistemáticos contra policiais. Juízes federais são investigados sob a suspeita de pertencer a um esquema criminoso de tráfico de influência, venda de sentenças e sabe-se mais o quê. Tudo isso em São Paulo, o Estado mais rico da federação e supostamente o que tem melhores condições de enfrentar o crime e combater a corrupção.
Lendo o noticiário a respeito desses assuntos, bem como o relativo aos casos "ordinários" de violência, o cidadão tem todos os motivos para sentir-se abandonado e à mercê de um processo acelerado de degradação dos costumes. "O tempora, o mores!", "Ó tempos, ó costumes!", poderia exclamar, repetindo a célebre frase de Cícero. Se até policiais são caçados por criminosos e se até magistrados estão metidos com a marginalidade, parece lícito concluir que o Estado encontra-se em grave crise e que devemos começar a nos preparar para a guerra de todos contra todos, tão bem descrita por Thomas Hobbes (1588-1679) em seu "Leviatã".
Com efeito, ninguém em sã consciência pode afirmar que o Estado brasileiro venha cumprindo o seu dever básico de propiciar segurança aos cidadãos, mas reconhecer isso não implica que se deva considerar o fracasso como definitivo. A investigação sobre os juízes, por exemplo, pode ser lida como um indício de que o poder público tenta depurar seu corpo de magistrados. Mesmo os ataques de criminosos a policiais são, na visão do governador Geraldo Alckmin, a reação desesperada de uma bandidagem acuada pelo aparato repressivo do Estado, o que faz sentido, embora seja pouco para explicar o fenômeno.
Infelizmente, não existem mágicas em segurança pública. No curto prazo, a situação dificilmente mudará. A polícia paulista possivelmente conseguirá pôr um fim à onda de atentados que vem sofrendo, e juízes e outras autoridades públicas que tenham se envolvido com esquemas criminosos serão julgados e condenados. Esses sucessos, ainda que absolutamente necessários para o resgate da credibilidade das instituições, não serão, por si sós, capazes de recuperar a segurança pública. A situação estará "resolvida" apenas até a eclosão de uma nova série de ataques ou o surgimento de novas denúncias envolvendo magistrados.
É preciso aproveitar a justa indignação da sociedade para discutir seriamente e aprovar as reformas da segurança pública e do Judiciário. Além disso, é preciso ter clareza de que tampouco as reformas serão suficientes. Elas são um pré-requisito para que avancemos, mas nem de longe bastarão para devolver a tranquilidade aos cidadãos.
Se existe uma medida que isoladamente pode promover uma melhoria importante, ela se resume em acabar com a impunidade. A receita é conhecida. É preciso que a polícia funcione, investigue e reúna provas contra os acusados. Isto feito, é necessário que a Justiça os julgue num tempo razoavelmente curto e que, se condenados, cumpram a pena.
Décadas de abandono levaram a segurança pública a deteriorar-se até a atual situação. Precisaremos agora de décadas de empenho e de trabalho sério para recuperá-la.



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