São Paulo, sexta-feira, 09 de novembro de 2007

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Falta técnica

Baixa prioridade para ensino profissional em relação ao universitário produz novo gargalo para a expansão da indústria

NÃO É SÓ coincidência temporal o que aproxima notícias em aparência tão díspares quanto a falha no suprimento de gás natural e a carência de 117 mil trabalhadores qualificados projetada pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) para 2007. Um nexo mais sutil e preocupante reúne as más novas, e mais uma vez sua origem parece estar em políticas públicas equivocadas. No caso, uma negligência perene com o ensino técnico.
Com o preço do petróleo na vizinhança de US$ 100 por barril, o setor atravessa fase de atividade frenética. A Petrobras, como qualquer empresa do ramo, enfrenta dificuldade em adquirir equipamentos ou contratar serviços e mão-de-obra para crescer no ritmo do mercado.
Um dos efeitos dessa limitação é o descumprimento das metas de aumento da produção de gás, hoje pelo menos 12,5% inferior à projetada, segundo noticiou o jornal "Valor Econômico" (e 3,4% aquém da verificada em 2006). A descoberta de reservas gigantescas na bacia de Santos, se confirmadas, só torna a deficiência mais aguda.
Tal carência encontra-se corroborada de modo cabal no estudo do Ipea, "Demanda e Perfil dos Trabalhadores Formais no Brasil em 2007". O setor que enfrenta maior escassez de profissionais experientes e qualificados é precisamente o da indústria química e petroquímica: déficit de mais de 25 mil trabalhadores. Em seguida nesse anti-ranking vêm outros sete setores de transformação, a começar por produtos de transporte e mecânicos. Só essas três modalidades industriais totalizam 70 mil vagas que não podem ser preenchidas -um outro tipo de apagão, técnico-profissional.
Essa mão-de-obra indisponível, porém, não é sempre de nível universitário, revela a pesquisa do Ipea. Na média, as vagas não-preenchidas dão preferência a profissionais com 9,3 anos de estudo. Alguns ramos mais tradicionais, como o de alimentos, se satisfazem com ensino fundamental completo; outros, como comunicação e telecomunicação, exigem o equivalente ao nível médio, sobretudo os raros egressos de cursos técnicos.
Embora o número de matrículas no ensino profissional se encontre em expansão (61% entre 2001 e 2006), ele ainda é pífio: 744.690 alunos no país, segundo o Censo Escolar do Ministério da Educação. No ensino superior, havia em 2006 (de acordo com a Pnad, Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) 5.495.277 matriculados, clara expressão da ênfase na expansão do ensino superior, que triplicou em uma década.
O governo federal parece ter detectado a necessidade de imprimir ritmo similar à educação profissional. Anunciou há menos de dois meses o plano de investir R$ 3,5 bilhões para abrir 200 novos Cefets (Centros Federais de Educação Tecnológica) até 2010, além dos 140 que existem hoje.
Não basta. A demanda por esses profissionais tecnicamente qualificados parte do setor privado, e este precisa participar mais ativamente do esforço para supri-la. Aí estão os R$ 10 bilhões anuais do sistema S, que deveriam ser carreados de modo prioritário para multiplicar o imprescindível capital humano.


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