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O fim de uma história de calotes
JOSÉ ARISTODEMO PINOTTI
O financiamento da saúde no Brasil, nos últimos 30 anos, tem
sido uma história de calotes repetidos
O FINANCIAMENTO da saúde no
Brasil, nos últimos 30 anos,
tem sido uma história de calotes repetidos.
Nas disposições transitórias da
Constituição de 1988 e com a aprovação das primeiras leis de diretrizes orçamentárias, tínhamos a garantia de
que 30% do orçamento da seguridade
social seria destinado à saúde. Isso
nunca aconteceu. Hoje, 30% corresponderiam a R$ 105 bilhões -portanto, mais que o dobro do que é destinado à área, e não mais que o necessário.
A CPMF foi votada em 1997 com a
garantia de sua destinação exclusiva
para a saúde, que ficou apenas com
pequena parte. E, o que é pior, substituindo verbas vinculadas à saúde e
desviadas para outras finalidades.
Hoje, o governo arrecada R$ 39 bilhões com esse tributo. Caso esse calote não tivesse sido praticado, o sistema público de saúde disporia de R$
20 bilhões a mais do que recebe, ou
seja, US$ 320 por habitante/ano (a
Argentina gasta US$ 380).
Outro calote importante é o do sistema privado sobre o público. Em
acórdão recente (n.º 1.146/2006) realizado a nosso pedido, o Tribunal de
Contas da União demonstrou que a
ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar) cobra apenas um terço do
que deveria (obrigada pela lei 9.656) a
título de ressarcimento das operadoras de planos de saúde para o SUS
(Sistema Único de Saúde) quando
elas o usam para seus usuários -e, do
que é cobrado, a ANS só consegue receber 5,9%.
Somam-se aí a esperteza dos planos, a generosidade e a incompetência da ANS e a complacência do governo. Calcula-se que essa apropriação
indébita chegue a mais de R$ 1 bilhão
por ano.
Há poucos dias conseguimos, depois de muita pressão, discutir a regulamentação da emenda 29 no Congresso Nacional, após sete anos de sua
promulgação.
Um excelente projeto propunha a
participação financeira dos municípios, dos Estados e da União na saúde
em, respectivamente, 15%, 12% e 10%
dos seus Orçamentos, o que daria um
aumento de 50% das verbas federais
da saúde, corrigindo boa parte dos calotes passados e fazendo um acréscimo ao gasto per capita/ano de cerca
de US$ 60, levando-o a US$ 320. E, o
mais importante, vinculando um percentual dos recursos federais à saúde,
da mesma forma que Estados e municípios, e impedindo o uso indevido
das verbas.
O governo reagiu e veio com uma
contraproposta sem vinculação federal e um acréscimo, por quatro anos,
com valores da CPMF para obrigar o
Senado a votá-la favoravelmente.
Nós, da oposição, DEM e PSDB,
pressionamos e o governo mudou a
proposta em vários itens. Mas, ao final, quando a pressão atingiu o máximo -em um ponto, particularmente,
de grande relevância-, que foi considerar o Orçamento de 2011, com um
acréscimo substancial da CPMF
(aproximadamente de R$ 8 bilhões a
R$ 10 bilhões, mais os acréscimos
anuais de porcentagens semelhantes
às do crescimento do PIB) como piso
para a continuidade, isso significou ao
mesmo tempo a recuperação de perdas anteriores e, de certa forma, a vinculação que desejávamos.
Continuamos a pressionar para a
área econômica não conseguir a retroação e a aprovação se deu.
Nossa proposta original perdeu,
mas a saúde ganhou graças à pressão
que exercemos no plenário até de madrugada, somada à pressão continuada da Frente Parlamentar de Saúde
nos últimos cinco anos.
A democracia fez-se sentir pela
atuação legítima da oposição. O Congresso teve uma vitória.
A pressão agora precisa continuar
para a descentralização desses recursos. Os municípios estão colocando
mais do que 15%, enquanto só seis ou
sete Estados cumprem os seus 12%, e
também porque é nos municípios que
está a atenção primária que precisa
ser totalmente recuperada para prevenir e aí resolver 80% dos problemas
de saúde.
Com esse financiamento e com boa
gestão, poderemos diminuir pela metade nossos índices de morbiletalidade, que são vergonhosamente superiores aos de todos os países da América Latina com a mesma renda per
capita que a nossa.
JOSÉ ARISTODEMO PINOTTI, 72, é deputado federal
(DEM-SP), professor emérito da USP e da Unicamp e presidente do Imae. Foi secretário de Ensino Superior (2006-07), da Saúde (1987-91) e da Educação (1986-87) do Estado de São Paulo, secretário da Educação do município de São Paulo (2005-2006), reitor da Unicamp (1982-86) e
presidente da Federação Internacional de Ginecologia e
Obstetrícia (1986-1992).
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