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JOSÉ SARNEY
Desordem na ordem
O Brasil tirou férias do seu vício de perda da auto-estima -o que
é muito bom. Todos estamos confiantes. Há esperanças no ar. O presidente
Lula é curiosidade no mundo inteiro e tornou-se paradigma do poder criativo da liberdade de oportunidades, da ascensão social e de novos horizontes
ideológicos, não marcados pela visão binária neoliberalismo versus socialismo.
O mesmo não acontece com a situação internacional, que percorre estrada inversa. Expectativas de esperanças podem ser contidas pela desestabilização da ordem mundial, marcada por códigos de convivência, agora num caminho de volta à lei da selva ou da natureza, como pensava Hobbes ao justificar a necessidade do Estado.
Dois fatos concorrem para isso: 1) a
substituição do sistema de potências
pela hegemonia de uma só superpotência; 2) o surgimento do terrorismo
como fato desagregador dessa ordem,
transformando-a em desordem.
Em termos práticos, há três questões
agudas no tabuleiro: o Iraque e a Coréia, globais; a Venezuela, regional. A
gravidade da questão da Palestina
transcende a conjuntura: ela tem raízes no passado longínquo, razões históricas, religiosas, territoriais e convites à tese do choque de civilizações.
Vamos ao Iraque. Os americanos estão decididos a invadi-lo por questões
que dizem respeito a eles: petróleo, indústria de armas, o problema pessoal
de Bush filho e o fracasso de Bush pai
com a Guerra do Golfo inacabada.
Não são motivos de sobrevivência da
humanidade, perigo de destruição da
Terra e outros de ordem internacional. Os pretextos, por mais que os repitam, não conseguem convencer
ninguém. Todos sabem que o Iraque
não ameaça nada. Há dez anos está sujeito a sanções econômicas e vigilância
permanente, sem prova de envolvimento nos atentados terroristas mundiais. Isso não significa que não seja
uma ditadura brutal, com um ditador
cruel, uma nação submetida a um sistema de opressão e de violação dos direitos humanos permanente. O Iraque
-recordemos- invadiu o Irã e o
Kuait. Saddam é um troglodita político. Por isso foi condenado e paga um
preço. Mas não é essa a motivação da
invasão americana. São motivos internos. Aceitar a guerra por exclusiva
vontade da política americana é um
retrocesso perigoso na ordem internacional, de consequências catastróficas.
Problema diferente, mais grave, é o
da Coréia do Norte. Contra a expansão de armas nucleares não podemos
ter contemplação. Essas sim ameaçam
o gênero humano. A Coréia tem de ser
contida. Mas existe a China, sua aliada, potência nuclear, e aí os americanos sentem que a coisa é mais séria,
que têm de buscar a via diplomática e
não a militar. Mas não podemos permitir a expansão de armas nucleares.
Devemos é bani-las.
Resta a Venezuela. Chávez é um presidente legítimo. Mas sua legitimidade
democrática, com a mídia em tempo
real querendo substituir a democracia
representativa, vive um quadro de
conflitos. A verdade é que a Venezuela
está desestabilizada e não se sabe o
que vai acontecer. Pior ainda, o fogo é
na nossa fronteira.
As bruxas estão soltas e, queiramos
ou não, o Brasil tem de lidar com as
consequências de um mundo em contorção.
José Sarney escreve às sextas-feiras nesta coluna.
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