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CARLOS HEITOR CONY
Xuxa
RIO DE JANEIRO - São decorativas, apenas isso. Os maus poetas garantem que elas são graciosas. Os bons
poetas parece que nunca se preocuparam com elas, é um símbolo brega,
pedestre. Não sendo poeta, nem bom
nem mau, gosto de vê-las aqui na Lagoa, que, apesar de poluída desde os
tempos dos tamoios, atrai algumas
delas, inclusive uma que tem o nome
de Xuxa.
Mora perto da sede náutica do Botafogo, justo na famigerada curva do
Calombo. Seu dono vende água de
coco todos os dias, mesmo quando
chove. Digo dono e me arrependo.
Xuxa é dele por escolha e hábito. Vive
a seu lado, arrisca um vôo breve pela
manhã e outro à tarde. No mais, permanece a seu lado, mora com ele,
num galpão ao lado da sede.
Não busca alimento como as outras
garças daqui e do resto do mundo.
Todos os dias, recebe uma cota de
peixes miúdos e, além das principais
refeições, sempre à base de peixes, ela
adora presunto, pipoca e batata frita.
Mas adora sobretudo o homem com
quem vive. Vigia-o com seus olhinhos
laterais, toma conta dele. Quando
chega a noite, ele recolhe seus cocos,
ela também se recolhe ao galpão e espera por ele para dormir.
No dia em que a fiscalização municipal cismou de levar o dono para
averiguações (ele precisava de uma
licença qualquer para vender cocos),
Xuxa ficou do lado de fora, aguardando a chegada dele. E só dormiu
quando o viu são e salvo, trazendo
uma quentinha com pedaços de uma
pizza calabresa que dividiu com ela.
Depois, sim, foram dormir.
Xuxa tem uma cabeça pequenina,
20 vezes menor do que a de qualquer
homem normal. Deve abrigar um cérebro minúsculo, pouco maior do que
o de uma galinha. O meu cérebro é
bem maior, do tamanho médio daqueles cocos que o amigo de Xuxa me
vende. Ela me fiscaliza para ver se
pago devidamente o que compro.
Não sabe sorrir, mas parece que me
aprova.
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