São Paulo, sábado, 10 de janeiro de 2004

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CARLOS HEITOR CONY

Xuxa

RIO DE JANEIRO - São decorativas, apenas isso. Os maus poetas garantem que elas são graciosas. Os bons poetas parece que nunca se preocuparam com elas, é um símbolo brega, pedestre. Não sendo poeta, nem bom nem mau, gosto de vê-las aqui na Lagoa, que, apesar de poluída desde os tempos dos tamoios, atrai algumas delas, inclusive uma que tem o nome de Xuxa.
Mora perto da sede náutica do Botafogo, justo na famigerada curva do Calombo. Seu dono vende água de coco todos os dias, mesmo quando chove. Digo dono e me arrependo. Xuxa é dele por escolha e hábito. Vive a seu lado, arrisca um vôo breve pela manhã e outro à tarde. No mais, permanece a seu lado, mora com ele, num galpão ao lado da sede.
Não busca alimento como as outras garças daqui e do resto do mundo. Todos os dias, recebe uma cota de peixes miúdos e, além das principais refeições, sempre à base de peixes, ela adora presunto, pipoca e batata frita. Mas adora sobretudo o homem com quem vive. Vigia-o com seus olhinhos laterais, toma conta dele. Quando chega a noite, ele recolhe seus cocos, ela também se recolhe ao galpão e espera por ele para dormir.
No dia em que a fiscalização municipal cismou de levar o dono para averiguações (ele precisava de uma licença qualquer para vender cocos), Xuxa ficou do lado de fora, aguardando a chegada dele. E só dormiu quando o viu são e salvo, trazendo uma quentinha com pedaços de uma pizza calabresa que dividiu com ela. Depois, sim, foram dormir.
Xuxa tem uma cabeça pequenina, 20 vezes menor do que a de qualquer homem normal. Deve abrigar um cérebro minúsculo, pouco maior do que o de uma galinha. O meu cérebro é bem maior, do tamanho médio daqueles cocos que o amigo de Xuxa me vende. Ela me fiscaliza para ver se pago devidamente o que compro. Não sabe sorrir, mas parece que me aprova.


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