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TENDÊNCIAS/DEBATES
Devem-se deduzir do IR os gastos com empregados domésticos?
SIM
Proteção ao trabalho doméstico
JAQUES WAGNER e EVA MARIA DAL CHIAVON
Seis milhões de pessoas trabalhavam como empregados domésticos
em 2002. Trata-se da maior categoria
profissional no Brasil. Essa expressividade não tem contrapartida na qualidade da inserção. Ao contrário: três em cada quatro empregados domésticos não
tinham carteira assinada; dois em cada
três recebiam no máximo um salário
mínimo. Se esse quadro já justifica a discussão e implementação de ações públicas, a ele se soma o fato de 93% dos trabalhadores domésticos serem mulheres, a maioria chefes de família.
O Ministério do Trabalho e Emprego
(MTE) vem pautando suas ações pelo
princípio de que a melhor política de inclusão social é pela via do trabalho. Trabalho decente, bem entendido: nos termos da OIT, executado em condições
de liberdade e segurança, com garantia
de padrões mínimos de proteção social
e de renda. Para universalizar essas condições, não podemos nos furtar ao debate sobre o emprego doméstico.
Construir qualquer política para a categoria é uma tarefa difícil, mas urgente.
Difícil por se tratar de uma forma de inserção produtiva que deveria ter sido
progressivamente reduzida pelo acesso
das famílias a bens de consumo duráveis e serviços de apoio à reprodução
social. Urgente porque essa não foi a
evolução da sociedade brasileira, e o
emprego doméstico persistiu como um
modo de inserção produtiva importante, que cresceu de forma intensa nos últimos anos, mas sempre reiterando o
descumprimento dos direitos do trabalho e um padrão de baixa remuneração.
Para estimular a expansão da parcela
de trabalhadores domésticos coberta
pela legislação trabalhista, elevar o padrão médio de remuneração e desincentivar a contratação de crianças para
essas atividades, o MTE apresentou a
proposta de autorizar deduções de gastos com empregados domésticos no
Imposto de Renda. Para cada empregado doméstico com carteira assinada, as
famílias poderiam reduzir a base tributável de sua renda anual por meio do
abatimento dos gastos com salários até
um montante predeterminado.
O ponto central dessa proposta está
no termo "empregado doméstico com
carteira de trabalho assinada". Somente
se habilitará à dedução aquela família
que assinar a carteira de seu empregado
doméstico. Com isso, a família assume a
obrigação de contribuir para a Previdência, pagar o 13º salário e garantir férias remuneradas. Inscrito no INSS, o
trabalhador continuará recebendo salário em caso de gestação, de acidente de
trabalho ou doença e terá direito a aposentadoria. A proposta exige, portanto,
uma contrapartida clara e comprovável
do empregador, com benefícios imediatos para o trabalhador.
Essa dedução não pode ser vista apenas como benefício à classe média. Ela é
instrumento para reverter a lógica perversa que rege as relações de trabalho
doméstico no Brasil: alegando altos custos, muitos patrões não contratam nos
padrões legais; sob a pressão do desemprego, da baixa organização e da necessidade de renda, os empregados domésticos aceitam a contratação não-regulamentada. Em suma, trata-se de um mecanismo para ampliar a parcela das trabalhadoras com acesso a direitos trabalhistas e previdenciários.
Esse ganho de qualidade do emprego
doméstico não requer o abandono do
compromisso do governo com a disciplina fiscal. Para cada trabalhador doméstico que tiver sua carteira assinada,
haverá, de imediato, contribuições adicionais ao INSS. Assim, os abatimentos
na base tributável do IR serão antecedidos de maior arrecadação para a Previdência, que poderá alcançar um montante expressivo, dado o enorme contingente passível de inclusão no sistema
-cerca de 4,5 milhões de contribuintes. Sendo assim, é possível uma compensação entre receitas adicionais da
Previdência e deduções no IR, sem impacto na arrecadação da União. Essa
pode, inclusive, ser uma diretriz para
definir os limites da dedução no IR.
Mesmo que o impacto zero sobre a arrecadação global seja condição para a
implementação da proposta, serão inequívocos os ganhos em termos de justiça e equidade social. A parcela da população que passará a ter seus direitos do
trabalho assegurados é grande e, em sua
maioria, engrossa hoje os segmentos
mais vulneráveis à pobreza e à exclusão.
No futuro, esses trabalhadores não serão um peso financeiro para suas famílias nem dependerão de transferências
de renda por parte do Estado, pois terão
aposentadorias para as quais contribuíram ao longo de sua vida produtiva.
Por essas razões, a implementação
dessa proposta é mais um passo na tarefa de criar mecanismos que viabilizem a
inclusão social pela via do trabalho e,
como tal, parte complementar da estratégia do governo federal de promover o
desenvolvimento com justiça social.
Jaques Wagner, 52, é o ministro do Trabalho e
Emprego. Eva Maria Cella Dal Chiavon, 42, é a
secretária-executiva do Ministério do Trabalho e
Emprego.
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