São Paulo, terça-feira, 10 de janeiro de 2006

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ROBERTO MANGABEIRA UNGER

O tema da eleição

Convém ao Brasil que a campanha presidencial de 2006 tenha por assunto a seguinte escolha: seguir o Brasil no rumo em que está e, em caso afirmativo, fazê-lo em mãos tucanas ou petistas, ou mudar de rumo e decidir para onde andar e sob qual liderança. É escolha que o país não terá como fazer se não se apresentarem os representantes de uma alternativa de rumo. Ou se a tarefa de representá-la ficar delegada a um sectarismo de esquerda. Atentem os descrentes para o imenso bem que o aparecimento dessa opção eleitoral faria ao Brasil: no mínimo, qualificaria o debate nacional e ajudaria a trazer milhares e talvez milhões de jovens idealistas para a vida pública.
Para cumprirem essa tarefa, os proponentes da alternativa precisam demonstrar serenidade ardente. O Brasil não quer grito, truque e esperteza. Quer ouvir a verdade, sem rodeios ou floreios: a verdade, ainda que incômoda. Quer sentir que os agentes da alternativa reconheçam os obstáculos a uma reorientação de rumo, que se comprometam a trazer para o governo os melhores quadros técnicos do país, que compreendam a necessidade de trabalhar, honesta e humildemente, com o Congresso Nacional, que tenham a mania de obedecer as leis e que se disponham a investir toda sua energia em algumas poucas prioridades transformadoras.
O eixo da alternativa há de ser a construção de um modelo de desenvolvimento duradouro, baseado na democratização de oportunidades para aprender, trabalhar e produzir. É compromisso que se expressa em quatro diretrizes, a serem traduzidas em iniciativas práticas, descritas e orçadas com precisão.
A causa da produção e do crescimento significa trazer o Brasil para o mesmo caminho que os outros países em desenvolvimento bem-sucedidos vêm trilhando: juro baixo e câmbio desvalorizado. Nada de calote: torcer braços e enfrentar pressões na convicção de que, se vierem a receber metade do que recebem hoje pelo seu dinheiro, ainda estariam os credores do governo ganhando mais do que poderiam obter em qualquer outro lugar.
A causa do trabalho exige apostar na qualificação do trabalhador, não apenas em trabalho barato e em exportação de grãos e minérios. Acabar com os encargos sobre a folha salarial, que castigam quem emprega e qualifica o trabalhador. Assegurar incentivos tributários para o emprego e a qualificação dos trabalhadores mais pobres. Difundir, com apoio do governo, tecnologias que aumentem a produtividade do trabalho no Brasil.
A causa da educação implica preferir política social de orientação capacitadora a política social de orientação compensatória. Priorizar a melhora da qualidade do ensino público para todos e a criação de oportunidades extraordinárias para os alunos pobres mais talentosos e esforçados. E dizer, sem mentir, que priorizar isso significa não priorizar outras necessidades sociais -urgentes e comovedoras- do povo brasileiro.
A causa republicana tem como primeiro requisito cortar os laços entre os endinheirados e os governantes: as conversas secretas em que o presidente e seus colaboradores acertam trocar favor de governo para empresário por dinheiro de empresário para partido e campanha. Rompidos esses laços, podemos começar a reconstruir nossas instituições políticas. Antes disso, não adianta.
Dirão alguns que tudo isso é muito pouco. Eu digo que seria uma revolução. E sustento ser essa a revolução que o Brasil quer.


Roberto Mangabeira Unger escreve às terças-feiras nesta coluna.
@ - www.law.harvard.edu/unger


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