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RUY CASTRO
Eu coo, eu moo
RIO DE JANEIRO - Não olhe agora, mas tenho a impressão de que a
reforma ortográfica, que está queimando as pestanas dos que vivem
da língua portuguesa -professores,
jornalistas, escritores, editores de
livros, locutores de TV e rádio, publicitários-, foi feita só para suprimir o trema. É o único ponto sobre
o qual ninguém parece discordar.
O atroz dilema do hífen -co-habitar ou coabitar?-, o degredo do
acento agudo de palavras como jibóia e averigúe e a horrível morte
de certos circunflexos estão levando gramáticos às fuças. Sem o chapeuzinho, por exemplo, como conjugar verbos como coar e moer? Eu
coo, eu moo? Muitos se rebelam
contra tais alterações e ameaçam ir
às últimas para não ter de escrever
antissegregacionismo, bensucedido ou ad-renalina.
Enquanto isso, os dois inocentes
pontinhos sobre lingüiça, qüinqüênio, pingüim etc. foram varridos pelos lingüistas sem a menor contemplação, como se contaminassem a
escrita com sarna ou beribéri. Na
verdade, para muitas pessoas, o trema já vai tarde, porque elas nunca o
usaram, com ou sem reforma. Pois,
a partir de agora, quero ver alguém
se sair bem numa argüição, a começar pela pronúncia desta palavra
sem o trema.
Um dos argumentos para a reforma é a de que a dupla ortografia impedia a difusão da língua portuguesa no exterior. Temo que, com o
acordo, a língua continue secreta
fora dos países lusófonos, mas, pelo
menos, estará unificada.
Unificada? Para meu orgulho, já
tive alguns livros traduzidos para
inglês, japonês, alemão, espanhol,
italiano, russo e polonês. É natural
-como poderiam ser lidos naqueles países se não fosse assim? Mas
nunca entendi por que um deles,
"Carmen - Uma biografia", ao ser
lançado em Portugal, teve de ser radicalmente traduzido do português
para o... português.
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