São Paulo, sábado, 10 de janeiro de 2009

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RUY CASTRO

Eu coo, eu moo

RIO DE JANEIRO - Não olhe agora, mas tenho a impressão de que a reforma ortográfica, que está queimando as pestanas dos que vivem da língua portuguesa -professores, jornalistas, escritores, editores de livros, locutores de TV e rádio, publicitários-, foi feita só para suprimir o trema. É o único ponto sobre o qual ninguém parece discordar.
O atroz dilema do hífen -co-habitar ou coabitar?-, o degredo do acento agudo de palavras como jibóia e averigúe e a horrível morte de certos circunflexos estão levando gramáticos às fuças. Sem o chapeuzinho, por exemplo, como conjugar verbos como coar e moer? Eu coo, eu moo? Muitos se rebelam contra tais alterações e ameaçam ir às últimas para não ter de escrever antissegregacionismo, bensucedido ou ad-renalina.
Enquanto isso, os dois inocentes pontinhos sobre lingüiça, qüinqüênio, pingüim etc. foram varridos pelos lingüistas sem a menor contemplação, como se contaminassem a escrita com sarna ou beribéri. Na verdade, para muitas pessoas, o trema já vai tarde, porque elas nunca o usaram, com ou sem reforma. Pois, a partir de agora, quero ver alguém se sair bem numa argüição, a começar pela pronúncia desta palavra sem o trema.
Um dos argumentos para a reforma é a de que a dupla ortografia impedia a difusão da língua portuguesa no exterior. Temo que, com o acordo, a língua continue secreta fora dos países lusófonos, mas, pelo menos, estará unificada.
Unificada? Para meu orgulho, já tive alguns livros traduzidos para inglês, japonês, alemão, espanhol, italiano, russo e polonês. É natural -como poderiam ser lidos naqueles países se não fosse assim? Mas nunca entendi por que um deles, "Carmen - Uma biografia", ao ser lançado em Portugal, teve de ser radicalmente traduzido do português para o... português.


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