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REINÍCIO COM SOMBRAS
Pela primeira vez na história, desde
que se fazem estatísticas, não houve
inflação em São Paulo, mas deflação
ao longo de todo o ano de 1998. Para
um país que viveu décadas sob o tormento da superinflação, esse dado
seria motivo para comemorações.
No entanto, a deflação não pôde ser
devidamente festejada porque ela reflete, ao menos em parte, a queda no
ritmo de atividade econômica, com o
inevitável cortejo de aumento do desemprego e de inquietação com o futuro imediato. Esse paradoxo ajuda a
compor um cenário em que, ao iniciar seu segundo mandato, o presidente Fernando Henrique Cardoso
passa a sensação de desgaste, como
se estivesse mais próximo do fim do
que do início da atual gestão.
A posse de FHC ocorreu há apenas
dez dias, tempo em que se acumularam, com rapidez espantosa, notícias no mínimo desagradáveis nos
horizontes social, político e econômico. Elas vão da crise na Ford -que
demitiu nada menos que 41% de seus
quadros numa de suas fábricas- à
disputa entre a área econômica do
governo e o PFL pela indicação do
presidente da Caixa Econômica Federal, passando, claro, pela moratória decretada pelo governador Itamar
Franco e seus efeitos, tanto internos
como externos, sobre o ajuste fiscal.
Alguns desses problemas -como a
disputa por cargos dentro da coalizão governista- poderiam, em outras circunstâncias, ser até minimizados. No contexto atual, porém,
contribuem para acentuar um certo
ar de "déjà-vu" um pouco por toda
parte. O país já viveu, nos anos recentes, seguidas retrações econômicas
que levaram a demissões em massa,
já viu outras disputas entre partidos
governistas para controlar fatias do
aparato estatal, já usou a palavra moratória. Vista em perspectiva, a situação sugere algo como uma marcha
em falso, uma reedição sem fim de
pequenos e grandes problemas, sem
que se consiga encontrar os trilhos
do desenvolvimento sustentado ou
combater a brutal desigualdade social, que há décadas permanece praticamente intocada.
Tudo somado, parece compreensível que a popularidade do presidente,
medida pelo Datafolha, tenha recuado para 35%, tal como estava em 96,
na metade do primeiro mandato.
Claro que seria uma precipitação leviana supor que a primeira semana
do segundo mandato dará a tônica
dos próximos anos de governo.
Mas a deterioração do quadro econômico, social e político sugere que,
ao contrário de seu estilo habitual, o
presidente não pode mais esperar
que as coisas se arranjem por si só,
não pode ser apenas o grande conciliador que foi durante toda a sua vida.
Precisa, mais que em qualquer outro
momento, exercitar a liderança que
as urnas de novo lhe conferiram e assumir sua responsabilidade histórica, sob pena de terminar o atual
mandato como "gerente da crise",
condição que rejeitou com veemência e acerto no discurso de posse.
Seria, mais do que simplesmente lamentável, trágico para todos se, ao
final de oito anos de FHC, permanecesse plenamente atual a frase que
encerra seu primeiro programa de
governo, "Brasil, Mãos à Obra", onde
se lê que é preciso "combater na prática, e não só nas intenções, a pobreza e a miséria que tornam o Brasil um
país deitado eternamente no atraso e
no subdesenvolvimento".
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