São Paulo, domingo, 10 de janeiro de 1999

Próximo Texto | Índice

REINÍCIO COM SOMBRAS

Pela primeira vez na história, desde que se fazem estatísticas, não houve inflação em São Paulo, mas deflação ao longo de todo o ano de 1998. Para um país que viveu décadas sob o tormento da superinflação, esse dado seria motivo para comemorações.
No entanto, a deflação não pôde ser devidamente festejada porque ela reflete, ao menos em parte, a queda no ritmo de atividade econômica, com o inevitável cortejo de aumento do desemprego e de inquietação com o futuro imediato. Esse paradoxo ajuda a compor um cenário em que, ao iniciar seu segundo mandato, o presidente Fernando Henrique Cardoso passa a sensação de desgaste, como se estivesse mais próximo do fim do que do início da atual gestão.
A posse de FHC ocorreu há apenas dez dias, tempo em que se acumularam, com rapidez espantosa, notícias no mínimo desagradáveis nos horizontes social, político e econômico. Elas vão da crise na Ford -que demitiu nada menos que 41% de seus quadros numa de suas fábricas- à disputa entre a área econômica do governo e o PFL pela indicação do presidente da Caixa Econômica Federal, passando, claro, pela moratória decretada pelo governador Itamar Franco e seus efeitos, tanto internos como externos, sobre o ajuste fiscal.
Alguns desses problemas -como a disputa por cargos dentro da coalizão governista- poderiam, em outras circunstâncias, ser até minimizados. No contexto atual, porém, contribuem para acentuar um certo ar de "déjà-vu" um pouco por toda parte. O país já viveu, nos anos recentes, seguidas retrações econômicas que levaram a demissões em massa, já viu outras disputas entre partidos governistas para controlar fatias do aparato estatal, já usou a palavra moratória. Vista em perspectiva, a situação sugere algo como uma marcha em falso, uma reedição sem fim de pequenos e grandes problemas, sem que se consiga encontrar os trilhos do desenvolvimento sustentado ou combater a brutal desigualdade social, que há décadas permanece praticamente intocada.
Tudo somado, parece compreensível que a popularidade do presidente, medida pelo Datafolha, tenha recuado para 35%, tal como estava em 96, na metade do primeiro mandato. Claro que seria uma precipitação leviana supor que a primeira semana do segundo mandato dará a tônica dos próximos anos de governo.
Mas a deterioração do quadro econômico, social e político sugere que, ao contrário de seu estilo habitual, o presidente não pode mais esperar que as coisas se arranjem por si só, não pode ser apenas o grande conciliador que foi durante toda a sua vida. Precisa, mais que em qualquer outro momento, exercitar a liderança que as urnas de novo lhe conferiram e assumir sua responsabilidade histórica, sob pena de terminar o atual mandato como "gerente da crise", condição que rejeitou com veemência e acerto no discurso de posse.
Seria, mais do que simplesmente lamentável, trágico para todos se, ao final de oito anos de FHC, permanecesse plenamente atual a frase que encerra seu primeiro programa de governo, "Brasil, Mãos à Obra", onde se lê que é preciso "combater na prática, e não só nas intenções, a pobreza e a miséria que tornam o Brasil um país deitado eternamente no atraso e no subdesenvolvimento".



Próximo Texto | Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.