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São Paulo, segunda-feira, 10 de fevereiro de 2003

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CARLOS HEITOR CONY

O inferno é melhor

RIO DE JANEIRO - Nenhum teólogo se atreveu a dar um palpite sobre a temperatura do inferno. Os mais audaciosos falaram no fogo eterno a consumir as almas pecadoras. Um ermitão do século 2 de nossa era teve uma visão do inferno, descreveu corpos pecadores devorados pelas chamas e, suplementarmente, por cobras, dragões e outros animais que não soube identificar. Não falou da temperatura, limitando-se a dizer uma obviedade: ali reinava um calor infernal.
Dante foi mais explícito, foi pessoalmente ao inferno em companhia ilustre, um outro poeta como ele, que lhe mostrou em detalhes a "città dolente" e a "perduta gente", mas não registrou a temperatura local, ou porque não dispunha de um bom termômetro ou porque não deu importância ao calor reinante.
Sem o apoio de um teólogo, de um ermitão e de um poeta, quem sou eu para dar um palpite sobre a temperatura do inferno? Imagino que deve ser maior do que o calor senegalesco. Já estive no Senegal, quando havia aquela inevitável escala em Dacar entre o Rio e a Europa. Era quente, mas o aeroporto tinha refrigeração e, para falar a verdade, não me interessei em saber como era esse tal calor senegalesco.
Volto ao inferno, quer dizer, ao calor infernal. Duvido que seja mais forte do que o calor que estamos atravessando neste verão carioca. E, ainda que seja um pouco mais moderado pela brisa marinha, é pior em todos os sentidos. Os 41, 42 graus que estamos sofrendo equivalem aos milhões de graus que o inferno possa ter.
Aqui no Rio, mesmo com temperatura um pouco menor, somos obrigados a ir à luta, enfrentar o trânsito, os elevadores cheios de gente suada, rostos esbaforidos, mulheres gordas se derretendo. No inferno ficaremos livres de vicissitudes tais. Nosso compromisso único, durante toda a eternidade, é ficar numa caldeira fervendo, e já me garantiram que a companhia é mais divertida do que a do paraíso.



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