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FERNANDO GABEIRA
Apocalipse nada
SE O PLANETA vai mesmo acabar, que o faça democraticamente. O enfoque apocalítico
é ambíguo para quem trabalha no
dia-a-dia. Provoca uma excitação
inicial, mas pode também paralisar. A referência essencial é o trabalho de 2.000 cientistas do IPCC,
usando todos os recursos técnicos.
No entanto, da conclusão científica
à formulação de políticas há um
longo caminho. O aquecimento global é contestado por grupo de Bjorn Lomborg,
autor de "O Ambientalista Cético".
Acha que o problema não é assim
tão devastador. Aconselha gastar o
dinheiro contra a fome e a Aids.
O relatório de Nicholas Stern,
produzido a pedido do governo britânico, argumenta, por seu lado,
que vale a pena gastar agora. No
mínimo, essa decisão vai economizar dinheiro no futuro.
Um outro tipo de restrição vem
dos nacionalistas. Sentem o movimento ecológico global como
ameaça à soberania, nova face do
velho imperialismo. Têm um argumento de peso. Estamos todos no
mesmo barco planetário, uns mais
confortáveis que os outros. Os ricos contribuíram mais com o aquecimento.
A política brasileira sempre levou em conta o argumento. No entanto é limitado ver o aquecimento
só como uma repartição de sacrifícios. É a visão de Bush, que não
consegue enxergar muito além do
petróleo.
Não se avalia o impacto de uma
modernização ecológica da indústria chinesa. Nem as vantagens que
uma potência natural como o Brasil poderia extrair do processo. Reflorestar a parte destruída da Amazônia, que é do tamanho de Santa
Catarina, seria possível no contexto de um planeta consciente.
O enfoque apocalítico abstrai as
chances de uma nova revolução industrial que já está em curso. Ela
pode não só retardar os efeitos do
aquecimento como ampliar as riquezas. Não me refiro apenas aos
produtos materiais.
A busca de novas formas de energia revela também a importância
da matriz solar. Os biocombustíveis, nascidos da fotossíntese, passam a ter um grande papel. O grande perigo é reduzir os alimentos. O
álcool produzido a partir do milho
nos EUA acabou causando uma revolta no México, onde o preço do
milho aumentou, atingindo a tortilha, comida popular.
O interessante, no Brasil, é que já
tivemos em Sertãozinho experiências de justaposição da lavoura de
alimentos com cana-de-açúcar. O
projeto piloto mostrou como isso é
possível num mesmo terreno. O
aquecimento reaviva a discussão
filosófica sobre o pessimismo contemporâneo. Isso pede mais espaço. Por que não resistir com toda
nossa inteligência e garra?
assessoria@gabeira.com.br
FERNANDO GABEIRA escreve aos sábados nesta
coluna.
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