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O Partido do Poder
Aos 30, PT abandonou ideia de "mudar a maneira de fazer política" e se tornou uma entidade paraestatal
à sombra do lulismo
O VOCABULÁRIO dos partidos de esquerda sempre foi rico em palavras destinadas a identificar e condenar vícios de conduta. Termos como "obreirismo", "basismo" ou "principismo" costumavam fazer parte do
arsenal da militância identificada com os ensinamentos de
Marx e Lênin.
Ao longo de seus 30 anos de
existência, que se completam na
data de hoje, o Partido dos Trabalhadores sofreu, por parte dos
agrupamentos de esquerda tradicionais, críticas formuladas em
conceitos desse tipo.
Fundado em 1980, na luta contra o regime militar, o PT foi acusado, antes de tudo, de ser "divisionista": o momento, para seus
críticos, era o de cerrar fileiras
sob o guarda-chuva do PMDB.
Nascido de uma vigorosa mobilização operária, o partido de
Lula rejeitava alianças com o
empresariado e com políticos
tradicionais. O "obreirismo" dessa fase vinha acompanhado do
"espontaneísmo": confiava-se
mais no potencial autônomo dos
movimentos sociais do que nas
orientações de uma direção monolítica. A influência da igreja,
também decisiva naqueles anos
de formação, trazia a forma organizativa das comunidades católicas para o interior do partido; naqueles tempos, nada se fazia sem
"consultar as bases".
Uma mistura de descontentamento geral contra "tudo o que
está aí" tingia de humor intransigente, e de forte puritanismo,
uma ideologia ainda não completamente formulada, mas que
sem dúvida buscava se apresentar como algo novo na tradição e
na prática política brasileiras.
Não é preciso grande esforço
analítico para notar de que modo
o PT de hoje se afasta do PT de
1980. Se o escândalo do mensalão implodiu suas últimas pretensões a "mudar a forma de se
fazer política no país", foi entretanto longo o caminho da sigla
até a desmoralização, o conformismo e a esclerose.
De início, a necessidade de
apresentar propostas nítidas fincou o PT como uma espécie de
representante anacrônico e radicalizado do estatismo e do nacionalismo da era Vargas, carregando frequentemente as bandeiras
da "reforma social na marra", do
messianismo e da ilegalidade.
O projeto de poder do PT passava entretanto, e felizmente,
pela via eleitoral. Foi a senha para que, dos princípios rígidos de
origem, se transitasse para uma
prática de acordos e alianças impostos de cima para baixo. O destino do PT não seria diferente do
experimentado por seus congêneres social-democratas na Europa, ao longo do século 20.
Mas a democracia brasileira
possui suas peculiaridades, dentre as quais o predomínio da oligarquia e do poder de Estado sobre a livre organização da sociedade. Pouco já se falava de "bases" e "princípios" quando estourou o caso do mensalão.
O pragmatismo transformou-se em cinismo, por parte dos envolvidos, e em perplexidade, por
parte dos simpatizantes. Manteve-se, incrivelmente, a arrogância de sempre: prevaleceu a pose
de indignação enquanto a força
gravitacional do Estado tornava
ridículas as intenções de "refundação" partidária aventadas no
auge da crise.
À sombra do prestígio de Lula,
que se sobrepôs à sigla, o PT hoje
se resume a uma entidade paraestatal, reproduzindo uma história secular na política brasileira: é, como outros antes dele,
meramente o Partido do Poder.
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