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FERNANDO DE BARROS E SILVA
Teatro da crueldade
SÃO PAULO - As 800 vagas que a
Escola Politécnica da USP ofereceu
este ano aos novos alunos estão entre as mais disputadas do país. A nota de corte na primeira fase foi uma
das mais altas do vestibular. Havia
13 candidatos por vaga. Os futuros
engenheiros da USP pertencem à
elite intelectual brasileira. São, na
sua maioria, jovens oriundos das
boas escolas privadas de São Paulo.
Anteontem, calouros da Poli foram recepcionados pelos veteranos. Banhos de lama, cabelos raspados, ovos na cabeça, tinta e farinha
pelo corpo -é o que chamam de
trote "sem violência". Um dos felizardos admite que aquilo é "um
pouco humilhante", mas diz que
"aguenta" para "poder jogar lama
nos calouros nos anos seguintes".
Imitando a estátua da Liberdade,
a futura engenheira empunha sorridente um vibrador de borracha. É
tudo "brincadeira", dizem. O trote
da Poli tinha DJ patrocinado por
uma marca de energético e espaço
vip para os pais acompanharem na
sombra o dia de fúria da garotada.
Não se trata apenas de explosão
hormonal, própria da idade. Humilhação e submissão de uma ou mais
pessoas por um bando são os traços
comuns aos rituais de iniciação dos
universitários no país. Todos "eleitos", vítimas e carrascos mimetizam aspectos da sociedade autoritária e de privilégios em que vivem.
Há, nesse ambiente já monótono
de selvageria ritual, um histórico de
ocorrências trágicas, apesar dos esforços de parte de comunidade acadêmica para desbarbarizar o trote.
Em 1999, um calouro morreu afogado na piscina do centro acadêmico da medicina da USP; no ano passado, um estudante de veterinária
no interior paulista foi atirado contra uma mistura de esterco e restos
de animais em decomposição -depois passou horas desacordado por
ingestão excessiva de álcool.
Embebedar estudantes à força
ainda é uma das formas mais comuns de trote. Tão comum quanto
obrigar calouros a pedir esmola nas
ruas. Meninos ricos brincando de
mendigos, universitários escarnecendo do pobre brasileiro. Mas é só
"brincadeira". Então, tudo bem.
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