|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
RUY CASTRO
Fim da mistura fina
RIO DE JANEIRO - A exemplo do
presidente Lula, ainda não li o Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH-3), lançado pelo próprio presidente. Antes disso, preciso terminar minhas coleções de
Balzac e Dickens, obras que, em volume e magnitude, competem com
o dito programa e exigem uma vida
para ser apreciadas.
Mas amigos me alertam para um
item do PNDH-3 de interesse para
nós, fãs do clássico musical da
Broadway "Show Boat", de 1927.
Nele, uma mulher ostensivamente
clara, Julie LaVerne, é punida por
ter "sangue negro" e ser casada com
um branco. O que é crime no Mississipi na época em que se passa a
história, fins do século 19.
Numa passagem emocionante, o
marido de Julie, ator como ela, ao
saber que o xerife está a caminho do
"barco das ilusões" para prendê-los,
dá um talho com canivete no dedo
da mulher e chupa-lhe o sangue na
frente da trupe, para mostrar que
agora também tem "sangue negro"
no corpo. Mas não adianta. Os americanos queriam brancos puros, negros puros, e cada qual em seu galho, sem bagunça.
Essa monstruosidade era fruto
da chamada "one-drop rule", a "regra da gota única", que classificava
como negros os mestiços afro-americanos de modo geral -não importava o tom da pele, clara ou escura-
e os sujeitavam por igual à discriminação. Os pais dessa lei eram os racistas mais hidrófobos dos EUA, a
Ku-Klux-Klan e as Filhas da Revolução Americana.
Pois parece que o PNDH-3 também pretende resumir a nossa mestiçagem, feita de mulatos, caboclos,
cafuzos e outras misturas finas, a
uma só categoria: negros. O pretexto é o de "ampliar os benefícios" estendidos a estes. Oba! Branco de
araque, como todo brasileiro, devo
ter litros de sangue negro nas veias.
Donde, se essa medida pega, vou
correndo alterar meus documentos
e me candidatar aos benefícios.
Texto Anterior: Brasília - Fernando Rodrigues: Esterco político Próximo Texto: Antonio Delfim Netto: Bom janeiro Índice
|