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Um mundo de paradoxos
JOSÉ SARNEY
Abro os jornais e leio que o desemprego aumentou nos Estados Unidos,
que os juros vão crescer, que isso significa dificuldades para muitas famílias. É uma notícia triste. Estou errado.
Para as Bolsas, não há nada de triste,
ao contrário, é motivo de euforia, vão
subir, estão felizes porque o desemprego e a recessão são bons sinais para
a saúde delas. Quanto pior fica a vida
para os que precisam de trabalho, melhor a daqueles que têm excesso de dinheiro e necessitam especular. É o que
me ensina o presidente da Bolsa de
Nova York, que foi além da euforia:
"Melhor notícia não podíamos ter".
Lembrei-me de uma história que já
contei aqui, mas que não resisto a repeti-la. Severo Gomes era ministro da
Indústria e Comércio e recebeu um relatório de um grande laboratório internacional, destinado a seus acionistas, justificando os seus lucros baixos
naquele ano: "O inverno foi muito fraco e, com o tempo bom, não tivemos a
incidência de pneumonia nem complicações respiratórias. Os casos de
gripe foram muito aquém de nossas
previsões e os gastos com anúncios
sobre nossos produtos, excessivos.
Assim, pedimos a compreensão dos
nossos acionistas para os baixos lucros, que não foram decorrentes da
falta de esforço de nossos executivos".
E continuava: "Contudo as perspectivas de melhoria são excelentes. Todas
as previsões meteorológicas indicam
que vamos ter um rigoroso inverno,
com novos vírus gripais, não sendo
descartada a hipótese de incidência de
epidemias. Assim, o volume de consumo dos nossos medicamentos vai ser
muito grande e explosivo, compensando o fraco desempenho deste
ano". Severo deu-me conhecimento
do relatório e uma boa risada, advertindo que essa é a lógica capitalista.
No Carnaval, vi a grande discussão
sobre se os desfiles deviam ou não incluir temas religiosos. Houve uma
guerra de liminares. Quando as primeiras foram concedidas, proibindo a
participação de Nossa Senhora da Esperança e do símbolo cristão da cruz,
pensei que os carnavalescos estavam
tristes. Ao contrário, estavam alegres,
pois o fato aumentava a curiosidade
sobre as escolas. Por outro lado, um
dos organizadores do desfile considerou a proibição boa porque agora iam
fazer uma ala só de cardeais, padres,
bispos e monges, que seria obrigatória
no Carnaval do próximo ano.
Uma jovem passista, que ia aos desfiles todos os anos e que foi pioneira
no topless, ficara feliz com a liberação
geral dos bustos, mas eu estava enganado. Ela declarou que estava triste
porque agora ninguém olha para a novidade do seu próprio. Em Viena, sem
ser Carnaval, em vez de mulheres,
uma multidão de homens nus entrou
na loja Kassa. Julguei que era gosto de
andar pelado, mas era justamente o
contrário: eles queriam vestir-se e ganhar uma mala de roupa, que seria dada pela loja numa promoção aos primeiros que chegassem.
Não deixa de ser paradoxal que os
nossos homens públicos, depois de
carreiras exitosas, estejam frustrados,
não pelo bem que fizeram, mas pelo
papel que poderiam ter desempenhado. O presidente Fernando Henrique
queria ter sido ator; Pitta, bailarino do
Municipal; Maluf, pianista no Metropolitan.
Picasso, nesse jogo de "o que quer
ser", disse que se fosse padre seria papa; militar, marechal; quis ser pintor e
era Pablo Picasso! A vida é assim...
José Sarney escreve às sextas-feiras nesta coluna.
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