São Paulo, segunda-feira, 10 de março de 2008

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Reverter o declínio tecnológico

ROBERTO NICOLSKY E ANDRÉ KOROTTCHENKO DE OLIVEIRA


Pela nítida correlação entre patentes e aumento do PIB, o desempenho do Brasil, que piorou, está na contramão do que a sociedade espera


OITO ANOS de vigência dos fundos setoriais, quatro anos da Lei da Inovação e dois anos e meio da Lei do Bem não levaram o Brasil a melhorar sua performance tecnológica em relação aos demais países em desenvolvimento. Ao contrário, pioramos. No ranking de 2007 do escritório norte-americano de patentes, o USPTO, perdemos uma posição em relação a 2006, ficando agora em 29º lugar, enquanto mais um país emergente -desta vez a Malásia- nos faz engolir poeira.
O Brasil encerrou 2007 com um saldo de apenas 90 patentes concedidas nos EUA, contra 1.121 para a China, 545 para a Índia e 158 para a Malásia. Mas o que chama atenção é que, acima da questão do ranking, o desempenho que apresentamos é incompatível com a dimensão de nossas indústria e economia. É um resultado que evidencia o equívoco das nossas políticas públicas de fomento à inovação, que se confundem com políticas de apoio à ciência e às universidades.
Sempre se pode argumentar que o desempenho de um ano isolado está sujeito a flutuações contingenciais.
Mas mesmo quando consideramos triênios, os resultados obtidos pelo Brasil neste começo do século 21 são decepcionantes. No período 2005-2007, tivemos 288 patentes concedidas no USPTO, contra 359 para a Malásia, 1.410 para a Índia e 2.775 para a China. A comparação com o triênio anterior, 2002-2004, mostra que, enquanto a China cresceu 53% no período, a Índia, 48% e a Malásia, 94%, as nossas patentes nos EUA caíram 13%.
Se observarmos o quadro histórico das patentes concedidas pelo escritório norte-americano nas últimas três décadas, notaremos que o Brasil vem perdendo posições para outros países emergentes há bastante tempo. Taiwan nos superou em 1975; a Coréia do Sul, em 1983; a China, em 1986; Cingapura, em 1996; a Índia, em 1998; e agora a Malásia, em 2007, nos deixa vergonhosamente para trás. Dentre os países que integram o bloco emergente dos Brics (Brasil, Rússia, Índia e China), o Brasil foi o único que apresentou queda no ranking de patentes, enquanto os demais subiram pelo menos uma posição. E não por acaso, somos o país desse bloco que tem a menor taxa (e bem menor) de crescimento do PIB.
Países emergentes como Coréia e Taiwan tiveram altas taxas de crescimento do seu PIB baseadas na competitividade resultante do esforço de desenvolver tecnologias próprias por meio da agregação continuada de inovações em produtos lançados no mercado pelos países desenvolvidos.
Exemplos disso são os monitores e aparelhos de TV, DVD, telefones celulares, câmeras digitais etc., lançados pelos países ricos, mas hoje produzidos competitivamente por aqueles emergentes.
Cada uma das muitas inovações que esses aparelhos comportam dá origem a uma patente para a proteção do investimento realizado em desenvolvê-la. Um celular de última geração tem 5.000 a 6.000 patentes. O número de patentes obtidas em um país tem estreita relação com a competitividade do produto e, por extensão, com a própria taxa de crescimento do PIB. No USPTO, que representa o maior mercado patentário do mundo, os emergentes que mais crescem no registro de patentes são também os que lideram em aumento do PIB.
Pela nítida correlação entre patentes e PIB, o desempenho brasileiro está na contramão do que a sociedade espera. A questão do desenvolvimento tecnológico e da inovação é um tema presente e que desperta a expectativa de propostas efetivas para a promoção do crescimento do país. Isso exige que as políticas públicas sejam avaliadas pelos resultados, e não apenas pela oferta de recursos, ao contrário do que nossos governos costumam fazer. A lei nº 45/1995 da Índia, que criou o fomento à tecnologia, mostrou que quando o foco da política pública é correto, pode-se esperar uma resposta rápida do setor produtivo. Após 12 anos de vigência desse instrumento, a Índia já está gerando seis vezes mais patentes do que nós, e a sua taxa de crescimento, mais de 9% ao ano, é o dobro ou o triplo da nossa.
Precisamos urgentemente de políticas públicas ousadas para reverter a atual trajetória que leva o Brasil a uma inaceitável dependência tecnológica e a ser um mero exportador de commodities.


ROBERTO NICOLSKY é físico, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e diretor-geral da Sociedade Brasileira Pró-Inovação Tecnológica (Protec).

ANDRÉ KOROTTCHENKO DE OLIVEIRA é engenheiro eletrônico e consultor em gestão de patentes.


Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br


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