|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
RUY CASTRO
Pelo cano
RIO DE JANEIRO - Outro dia, fui
repreendido domesticamente por
jogar fio dental no vaso e dar a descarga. A repreensão foi suave, mas
firme: um palmo de fio dental pode
parecer inofensivo, mas despejá-lo
ali é uma das piores agressões ao
meio ambiente. "Leva 500 anos para ser absorvido!", disseram.
Só então caí em mim. Um palmo
costuma ter 25 cm. Quatro palmos
de fio dental por dia, equivalentes a
quatro aplicações regulamentares,
significam 1 metro de fio dental
descendo diariamente pela privada.
Donde, em menos de três anos, despejei 1 km de fio dental de forma
imprudente. Fiz um rápido exercício aritmético sobre os anos em que
venho cometendo esse deslize e me
dei conta de que já fui responsável
por quase 20 km de encanamentos,
tubulações, esgotos, estações de
tratamento, elevatórias e emissários entupidos pelo fio.
Desde então tenho me esmerado
em soltar o fio dental no lixinho, para aplausos da galera. Mas será que
um dia conseguirei redimir-me pelas espécies que ajudei a asfixiar,
obstruir, intoxicar, intumescer ou
envenenar com minha insensibilidade ecológica? E de que adiantará
tornar-me ambientalmente correto
se meus semelhantes ou, digamos,
os vizinhos não fizerem o mesmo?
Aliás, que vexame. Li no jornal
que os campeões de entupimento
de esgotos são absorventes, algodões, camisinhas, cotonetes, cuecas, fraldas, o dito fio dental, plásticos e até comestíveis, como pizzas
aos quatro queijos, bruschettas e
mortadelas. Tudo pelo cano. E ouvi
dizer que se achou uma boneca inflável com pouco uso numa galeria
pluvial em Copacabana.
Claro, as autoridades têm de
cumprir a sua parte. Mas também
quero contribuir: se um dia eu tiver
celular e ele me provocar um acesso
de fúria, prometo não me vingar dele varejando-o no vaso e dando a
descarga, como já fizeram.
Texto Anterior: Brasília - Fernando Rodrigues: Hipocrisia eleitoral Próximo Texto: Antonio Delfim Netto: BC e produto potencial Índice
|